segunda-feira, 17 de outubro de 2011

É possível me casar somente na Igreja, sem me casar no civil?

A Palavra do Sacerdote
Monsenhor JOSÉ LUIZ VILLAC


Pergunta — Gostaria de saber se é possível me casar somente na Igreja, sem me casar no civil. Pois meu noivo não quer de jeito nenhum se casar, e penso em ao menos convencê-lo de casar no religioso, para termos a bênção de Deus.
Resposta — A consulente apresenta um problema que, na realidade, tem dois aspectos, um de fácil resolução, e outro muito complexo e delicado.
Comecemos pelo de fácil solução: é possível, sim, casar-se somente na Igreja, sem realizar o casamento civil, desde que seu noivo não tenha compromissos resultantes de eventuais uniões anteriores, como pensão alimentícia, filhos a criar, etc. Aliás, mesmo que os tenha, e desde que os satisfaça devidamente, o pároco poderá realizar o casamento religioso, com licença do bispo, sem maiores problemas (cfr. Código de Direito Canônico, cânon 1071). Ademais, o casamento religioso tem efeitos civis, de acordo com o § 2º do art. 226 da Constituição Federal, mediante simples registro.
Mas a questão tem outro lado – este sim, muito complexo – que transparece na pergunta. Realmente, não é compreensível que o seu noivo não queira “de jeito nenhum se casar”, mas ao mesmo tempo a consulente acha que pode “convencê-lo de casar no religioso”. Um simples “ajuntamento” estável entre um homem e uma mulher já acarreta obrigações civis, quanto mais um casamento religioso, com a agravante de que este é vinculante — “até que a morte os separe”, como diz o ritual do matrimônio católico.


Uma realidade de nossos dias que é do conhecimento de todos: quanto tempo durará esse casamento?


A consulente deveria, pois, apurar as razões que levam ao seu noivo a recusar o casamento. Qual é o mistério que está por trás dessa recusa? Um casamento religioso com essas disposições prévias do futuro marido pode levar a desfechos desagradáveis e dolorosos...
E aqui entra uma realidade de nossos dias que é do conhecimento de todos: quanto tempo durará esse casamento? Valerá a pena correr tal risco? Para a consulente, que deseja viver sob as bênçãos de Deus, isto implicará na impossibilidade de novo casamento. Para um marido que eventualmente não dê maior importância de estar de bem com Deus, ele pode abandonar a legítima esposa e se unir a outra irregularmente sem grande escrúpulo...
Palavras que mudaram de significado
No que está explicado acima, parti do pressuposto de que a consulente estava usando a palavra noivo no seu sentido clássico. Acontece que essa palavra, como as suas correlatas,namoro (que precede o noivado) e casamento (no qual termina o processo), foram lentamente mudando de significado, e hoje já correspondem generalizadamente a outros conceitos.
Um amigo me contou, referentemente a uma jovem sua parente, que ela já havia “oficializado o seu namoro”! Ora, o namoro sempre foi caracterizado pela sua informalidade; isto é, um período em que o par se visita e se encontra, com a finalidade de alcançar um conhecimento mútuo, em vista de um possível casamento. O que significaria a “oficialização do namoro”? Meu amigo ficou sabendo que eles passaram a viver juntos! Durante um certo período, na casa dos pais de um deles. Pressionados por estes, mudaram-se para outro apartamento... cedido pelos pais. O “casal” em questão agora manifesta — menos mal! — o desejo de “oficializar”, desta vez, o casamento, ao que tudo indica na Igreja...
Assim se passam, infelizmente, as coisas hoje em dia, por todo o mundo, pelo menos no mundo ocidental e ex-cristão. O casamento real na Inglaterra, que merecidamente deslumbrou meses atrás o mundo pela pompa de que se cercou, foi precedido, com toda a naturalidade — conforme amplamente noticiado pela imprensa — por oito anos de “namoro”!
Na Inglaterra houve pelo menos uma cerimônia prévia de oficialização do noivado, que faltou no caso da moça brasileira, acima descrito. A etapa do noivado foi simplesmente engolida pelo novo conceito de “namoro”.
Assim, causou-me até uma surpresa agradável ver ressuscitada a palavra noivo, na presente consulta. Mas, depois, diante da estranheza que causa a negativa do “noivo” de honrar o compromisso assumido com o “noivado” (que outra coisa não é senão um compromisso formal de casamento), perguntei-me se a consulente aplicou adequadamente a palavra ao que ela chamou de “noivo”. Será que este, no relacionamento com a consulente, não quer manter a informalidade de uma relação que com ela mantém?
A consulente, por sua vez, faz muito bem de procurar santificar esse relacionamento mediante um casamento religioso. Se o “noivo” aceitar de bom grado, tudo bem. Mas, neste caso, a “noiva” deve certificar-se de que há uma possibilidade real de que ele aceitará — e cumprirá — a cláusula “até que a morte nos separe”.
Pleno uso dos direitos sagrados do matrimônio
Casamento da Virgem Maria e São José – Philippe de Champaigne, séc. XVIII


Para que a questão fique bem clara aos olhos da consulente — e dos leitores de Catolicismo em geral — é bom lembrar que tanto o namoro como o noivado não dá acesso a nenhum dos direitos sagrados do matrimônio. A coabitação de forma alguma lhes é permitida e mesmo certas familiaridades que hoje se tornaram banais constituem ocasião próxima de pecado, quando não um pecado até mortal (que exclui dos Sacramentos da Santa Igreja).
Se a consulente quer atrair para si, e para seu “noivo”, as bênçãos de Deus, deve aguardar a realização do casamento religioso. Nosso Senhor Jesus Cristo deu tanta importância à união do homem e da mulher para a constituição de uma nova família, que elevou essa união à categoria de Sacramento. Não o desonreis com uma “oficialização do namoro”, expressão contraditória em si mesma, que indica bem quanto a humanidade de nossos dias está afastada de Deus.
Nossa Senhora do Bom Conselho
Nossa Senhora do Bom Conselho


Todas estas são questões que a consulente deve ponderar bem, recorrendo a pessoas de confiança de suas relações que tenham princípios católicos seguros, e expondo o problema com toda a firmeza e franqueza ao seu noivo. Não me cabe, como sacerdote desconhecedor da situação real do casal de noivos, ir além das linhas gerais que deixo aqui consignadas.
O que posso fazer é dar-lhe uma sugestão de ordem espiritual: peça a Nossa Senhora do Bom Conselho que a ilumine e dê forças para tomar a decisão acertada. O casamento religioso é um compromisso muito sério para que se entre nele sem pensar no dia de amanhã. Rezarei para que Nossa Senhora atenda às suas súplicas da maneira mais conveniente para o bem da sua alma. E também a de seu noivo, que bem pode estar precisando de um conselho... de Nossa Senhora do Bom Conselho!

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