sexta-feira, 30 de novembro de 2012

QUAL O SEGREDO DE BIA?


Deus é misericordioso, mas também justo - Santo Afonso de Ligório



quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Deus é misericordioso, mas também justo - Santo Afonso de Ligório

Morte do justo e do pecador



Por Santo Afonso Maria de Ligório

Misericordia enim et ira ab illo cito proximant, et in peccatores respicit ira illius — «A sua misericórdia e a usa ira chegam rapidamente, e em sua ira olha para os pecadores» (Eclo 5, 7).

Sumário. De dois modos o demônio engana os homens e arrasta muitos consigo ao inferno. Depois do pecado arrasta-os ao desespero, por meio da justiça divina; e antes do pecado excita-os a cometê-lo pelaesperança da divina misericórdia. Se quisermos desfazer a arte do inimigo, façamos o contrário: depois do pecado, confiemos na misericórdia divina, mas, antes do pecado, temamos a sua justiça inexorável. Como poderia confiar na misericórdia de Deus quem abusa da mesma misericórdia para o ofender?

I. Diz Santo Agostinho que o demônio engana os homens de dois modos: pelo desespero e pela esperança. Quando o pecador caiu, arrasta-o ao desespero, representando-lhe o rigor da divina justiça; mas antes do pecado, excita-o a cometê-lo pela confiança na divina misericórdia. — Com efeito, será difícil encontrar um pecador tão desesperado que se queira condenar por si próprio. Os pecadores querem pecar, mas sem perderem a esperança de se salvar. Pecam e dizem: Deus é misericordioso; cometerei este pecado e depois irei confessar-me dele. Mas, ó Deus! é assim que falaram tantos que agora estão condenados!

Avisa-nos o Senhor: «Não digas: são grandes as misericórdias de Deus; por muitos pecados que eu cometa, obterei o perdão por um só ato de contrição» (Eclo 5, 6). Não digas assim, avisa-nos Deus; e por quê? Porque a sua misericórdia e a sua justiça vão sempre juntas; e a sua indignação se inflama contra os pecadores impenitentes, que amontoam pecados sobre pecados e abusam da misericórdia para mais pecares: A sua misericórdia e a sua ira chegam rapidamente, e a sua indignação vira-se contra os pecadores. — A misericórdia de Deus é infinita, mas os atos dessa misericórdia são finitos. Deus é misericordioso, mas também é justo. «Eu sou justo e misericordioso», disse um dia o Senhor a Santa Brígida; «mas os pecadores julgam-me somente misericordioso».

Não queiramos, escreve São Basílio, considerar só uma das faces de Deus. E o Bem-aventurado João Ávila acrescenta que tolerar os que abusam da misericórdia de Deus, para mais o ofenderem, não seria mais ato de misericórdia, mas falta de justiça. A misericórdia é prometida ao que teme a Deus, não ao que dela abusa: Et misericordia eius timentibus eum (Luc 1, 50). A justiça ameaça os pecadores obstinados; e assim como Deus, observa Santo Agostinho, não falta às suas promessas, tão pouco faltará a suas ameaças.

II. Meu irmão, escuta o belo conselho que te dá Santo Agostinho: Post peccatum spera misericordiam. Depois do pecado, confia na misericórdia de Deus; mas antes do pecado, receia a sua terrível justiça: Ante peccatum pertimesce iustitiam. Sim, porque é indigno da misericórdia de Deus quem dela abusa para o ofender. Aquele que ofende a justiça, diz Afonso Tostato, pode recorrer à misericórdia; mas a quem poderá recorrer o que ofende a própria misericórdia? Seria zombar de Deus querer continuar a ofendê-lo e desejar depois o paraíso. Avisa-nos, porém, São Paulo, que Deus não consente que zombemos dele: Deus non irridetur(Gal 6, 7).

Ah, meu Jesus, eu sou um daqueles que Vos ofenderam, porque Vós éreis tão bom. Esperai, Senhor, não me abandoneis ainda, já que pela vossa graça espero nunca mais dar-Vos motivo para que me abandoneis. Pesa-me, ó bondade infinita, de Vos ter ofendido e abusado tanto da vossa paciência. Graças Vos dou por me terdes esperado até agora. No futuro, não mais Vos quero trair como no passado.

Vós me suportastes tanto tempo, afim de me verdes um dia cativo amorosamente da vossa bondade. Esse dia já chegou, como espero. Amo-Vos, ó bondade infinita. † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; estimo a vossa graça mais que todos os reinos do mundo; antes perder mil vezes a vida que perder a vossa afeição. — Meu Deus, pelo amor de Jesus Cristo, dai-me, com o vosso amor, a santa perseverança até à morte. Não consintais que eu torne a trair-Vos, e deixe jamais de Vos amar. — Ó Maria, sois a minha esperança; obtende-me a perseverança e nada mais vos peço. (*II 76.)


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Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo Terceiro: desde a duodécima semana depois de Pentecostes até ao fim do ano eclesiástico. Friburgo: Herder & Cia, 1922, p.81-83.


Fonte: http://www.mulhercatolica.org
http://osegredodorosario.blogspot.com.br/

Conselhos de Marcelino Champagnat para a boa formação das crianças


Conselhos de Marcelino Champagnat para a boa formação das crianças




Marcelino Champagnat ensina que, para a formação da vontade das crianças, é preciso impôr disciplina, mas sem exigências desnecessárias; advertir, mas com doçura; castigar, mas sem aterrorizar.

A seguir, alguns de seus conselhos nesse sentido:

"Realizar trabalho de educação é formar a vontade da criança, ensinando-a a obedecer. A grande chaga deste nosso século é a independência. Cada um quer fazer a sua vontade e se crê mais capaz de mandar do que obedecer.

"A criança recusa submissão aos pais; os subordinados revoltam-se contra seus chefes; a maior parte dos cristãos desprezam as leis de Deus e da Igreja. Numa palavra, por toda parte reina a insubordinação. Portanto, presta-se bom serviço à Religião, à Igreja, à sociedade, à família e, sobretudo, à própria criança, orientando-lhe a vontade, ensinando-a a obedecer. Ora, para formar a criança à obediência, é preciso:

. Jamais mandar o que não seja justo e razoável. Nada exigir dela que repugne à razão ou revele injustiça, tirania ou capricho: ordens deste tipo só perturbam o espírito da criança, inspiram-lhe profundo desprezo;

. Evitar mandar ou proibir muitas coisas de uma só vez. A multiplicidade de ordens ou proibições gera a confusão, leva ao desânimo e faz a criança esquecer ou desprezar boa parte das ordens ou proibições. Aliás, qualquer pressão desnecessária tem como resultado fazer desanimar ou semear o mau espírito;

. Jamais ordenar coisas muito difíceis ou impossíveis, porque exigências exorbitantes irritam as crianças, tornando-as teimosas ou rebeldes em vez de torná-las dóceis;

. Exigir a execução total do que se ordenou dentro do justo e razoável; pois dar ordens ou impor deveres, castigos e não exigir o cumprimento é favorecer a desobediência às ordens e proibições que se deu;

. Estabelecer boa disciplina e exigir que se cumpra o regulamento. Essa disciplina é de molde a fortalecer a vontade da criança e dar-lhe energia, habituá-la à obediência e a uma certa violência que é preciso impor-se para lutar contra as paixões e praticar a virtude. Essa disciplina exercita a vontade por meio das renúncias freqüentes que ela enseja; obriga a criança a refrear sua dissipação, ficar em silêncio, conservar-se no recolhimento, prestar atenção às lições do professor, manter a compostura, reprimir suas impaciências, chegar em tempo, estudar as lições, cumprir as tarefas, mostrar-se respeitosa com os professores, leal e obsequiosa com os colegas e ajustar seu caráter a uma porção de coisas que a contrariam. Pois esta série de atos de obediência e uma seqüência de pequenas vitórias sobre si mesma e seus defeitos constituem o meio privilegiado de lhe formar a vontade, torná-la forte e dócil a um tempo e dar-lhe a constância no bem.



Retirado do blog - http://gstomasdeaquino.blogspot.com.br/

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

QUEM PARTICIPA DO BANQUETE DO CORDEIRO?

TUDO ESTÁ NA BÍBLIA?

TUDO ESTÁ NA BÍBLIA?



A Bíblia é suficiente em questões de fé?
Penso que o mais preocupante na separação doutrinária existente entre católicos e protestantes se encontra na pergunta do título: "Tudo está na Bíblia?". À esta pergunta, os protestantes respodem que "sim", usando a mesma Bíblia usada pelos católicos para dizer que "não". Por que há tão grande diferença numa pergunta tão simples?
Para entender isto, o importante é analisar o seguinte: os protestantes dizem que tudo está na Bíblia. Se fosse assim, a Bíblia deveria dizê-lo e auto-responder questões que estão contidas nela. Se é como dizem os católicos, que nem tudo está ali, a mesma Bíblia deveria dizê-lo e mostrar que outra coisa existe fora dela.

ARGUMENTOS PROTESTANTES

- Só a Bíblia contém a verdade de Deus.
- Tudo para a salvação está na Bíblia. 
Em que se baseiam para afirmar isso? Obviamente, quando pergunto a um protestante sobre a doutrina da "sola Scriptura" (=somente a Bíblia), ele me responde com passagens [bíblicas] que "supostamente" sustentam [sua crença].
Antes de mais nada, quero deixar claro que nós, católicos, CREMOS SIM na Bíblia e sabemos que ela é inspirada por Deus, porque às vezes nos recriminam como se duvidássemos da sua inspiração.

O hino nacional dos protestantes para argüir a "sola Scriptura" é este:
"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, inteiramente preparado para toda boa obra" (2Timóteo 3,16-17; versão Valera, 1960).
Analisemos por partes essa passagem;

A primeira parte diz: "toda a Escritura é inspirada por Deus". É triste que um protestante diga que a Bíblia é a Palavra de Deus baseando-se nela mesma. Se lermos o Alcorão, [veremos que] também diz que é Palavra de Deus e, mesmo assim, um protestante não seguirá Alá por causa disso. Nós, católicos, cremos que a Bíblia é Palavra de Deus porque sabemos, pela História, que Jesus fundou uma Igreja visível e que esta Igreja determinou quais livros deveriam ser considerados como Palavra de Deus e quais não deveriam; nisto, corroboramos com o que ela (a Igreja) diz e não como fazem os protestantes que porque a Bíblia diz então eles crêem. O importante desta passagem é que ela aponta a autoria da Bíblia para Deus; não diz nada que esta Palavra seja a única regra de fé e contenha tudo.

A segunda parte é: que é utíl para várias coisas. A passagem não diz que "SOMENTE a Escritura é útil para...", o que talvez sim nos faria pensar que nela se encontraria tudo. Um evangélico convertido ao Catolicismo, James Akin, escrevia uma reflexão sobre essa passagem, comparando-a a um martelo. Ele diz: "Um martelo é útil para fixar pregos, porém, não quer dizer que todos os pregos devam ser fixados por martelos". Com a Palavra é igual. É útil para várias coisas, porém, não quer dizer que todas as coisas devam ser conhecidas pela Bíblia.

A Palavra é uma excelente ferramenta dada por Deus ao homem para que O conheçamos melhor; porém, há que se dar-lhe a sua correta interpretação. Acerca disto, cito o Cardeal John Newman, um sacerdote que fora anglicano e se convertera ao Catolicismo nos últimos anos do século XIX. Ele nos levava a refletir sobre toda a passagem de Timóteo e não apenas os versículos 16 e 17. Paulo diz a Timóteo:
"Porém, persiste tu no que tens aprendido e te convenceste, sabendo de quem aprendeste, e que desde a infância tens conhecido as Sagradas Escrituras, as quais podem te fazer sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus" (2Timóteo 3,14-15).
Entremos na história: Timóteo se tornou bispo de Éfeso muito jovem. Quais Escrituras conheceu na infância? Com certeza, apenas as que pertenciam ao Antigo Testamento, pois na época de Timóteo não existia ainda o Novo Testamento. Portanto, sob a mentalidade protestante de querer provar, com esta citação, que tudo se encontra na Bíblia, deveríamos deixar de lado os Evangelhos, as Epístolas [dos Apóstolos] e o Apocalipse, porque estes [escritos] só foram considerados parte integrante da Bíblia muito tempo depois. Obviamente, ao ver isto, um protestante precisa sacudir a cabeça e refletir; essa passagem não inclui a totalidade dos seus 66 livros como prova de que são os únicos necessários como regra de fé. Desta forma, o cardeal Newman nos fazia ver que esse texto de Timóteo não consegue assegurar que as Escrituras sejam a única coisa necessária como regra de fé.

Outro texto usado pelos protestantes para demonstrar a suficiência da Bíblia é:
"Ademais, fez Jesus muitos outros sinais na presença dos seus discípulos, os quais não estão escritos neste livro. Porém, estes foram escritos para que creais que Jesus é o Cristo e para que, crendo, tenhais vida em seu nome" (João 20,30-31).
Os protestantes dão a entender que, ainda que Jesus tenha feito muitas [outras] coisas, somente as que se encontram na Bíblia são necessárias. Isto é completamente falso. Para começar, estaríamos nos referindo somente ao evangelho de João; então deixaríamos de fora coisas como o Pai Nosso (Mateus e Lucas), a infância de Jesus (Mateus e Lucas), a última ceia com pão e vinho (Mateus, Marcos e Lucas) etc. Este texto não está dizendo que o que está ali nos servirá para fazer tratados doutrinários sobre religião, mas apenas tentando mostrar para os judeus que Jesus é o Messias. Saber isto não nos dará a salvação, pois até os demônios sabem que Jesus é o Messias (Marcos 5).

Se analisarmos, as outras coisas que Jesus fez e não estão na Bíblia foram ensinadas pelos Apóstolos oralmente em suas pregações. Por acaso isto não era importante para as primeiras comunidades cristãs? Ou quando foram escritos os livros, desprezaram o ensino [oral] em decorrência da leitura? E se liam esses textos, não eram os apóstolos quem os explicava?

Um outro texto, pouco usado, mas que já ouvi:

"Pesquisais as Escrituras porque vos parece que nelas tens a vida eterna; e são elas que dão testemunho de mim" (João 5,39).

Como diz muito bem o texto, são os judeus e NÃO Jesus que crêem que na Bíblia encontrarão a vida eterna. Jesus se adapta à mentalidade do seu povo; não busca escandalizá-lo, mas fazer-lhe ver as coisas. Jesus sabe que os judeus crêem encontrar a vida eterna no Antigo Testamento e, por isso, os convida a verem que nessas Escrituras se dá testemunho de que Ele é o Messias.

Novamente, se formos literais como os protestantes, deixaríamos de lado o Novo Testamento. E, assim, qualquer citação que queiram buscar para justificar Lutero será um testemunho contra eles mesmos, pois nunca se referirá à Bíblia por inteiro.
A Escritura usa em muitos trechos a palavra "Evangelho"; nós a entendemos como se se referisse a um dos quatro existentes na Bíblia; porém, na verdade, se refere à TODA a mensagem de Jesus que era pregada pelos Apóstolos. Paulo nos ilustra isso muito bem em sua carta aos Gálatas:

"Vos recordo, irmãos, que o Evangelho com que vos evangelizei não é doutrina de homens" (Gálatas 1,11). 

O Evangelho (usado no singular) a que Paulo se refere não é outro senão a mensagem que recebeu do Senhor. Ademais, Paulo nos confirma que suas cartas não contêm as verdades únicas; claramente diz que já os havia evangelizado antes (e deve ter sido oralmente) e agora, na Escritura, apenas os RECORDA, não diz que os evangeliza pela carta. Que os protestantes se detenham aqui e analisem bem isto.
Lendo um texto como Colossenses 3,16 - que fala da Palavra de Cristo - nos faz pensar que se até então não havia Evangelhos, essa Palavra era a Tradição transmitida de geração em geração.

Quando surgiu o filme "Stigmata", se divulgou uma mensagem de que a Igreja possuía livros ocultos como o Evangelho de Tomé; isto só rendeu fama ao filme, nada mais. A verdade é que esses livros são vendidos em qualquer livraria católica e até eu os lia quando estudava na Universidade. Porém, surge uma pergunta: Por que não foram reconhecidos como parte do Novo Testamento? Quando no séc. II se tentou mostrar que a revelação [pública] de Deus continuava normalmente após o Apocalipse, surgiram livros como o evangelho de Pedro, de Tomé, o proto-evangelho de Tiago etc. Esses livros não foram acolhidos pela Igreja. 

Mas se até esse momento não havia um Novo Testamento, como sabiam que não deveriam considerar esses livros? Onde estava a Bíblia como regra de fé para excluí-los?

Foi a Igreja, com a autoridade que tinha de ligar e desligar, concedida por Cristo, que determinou que esses livros não estavam de acordo com O ENSINAMENTO dos Apóstolos, ou seja, com a Igreja nesse momento (ela não disse que ia contra a Escritura nesse momento!). Analise-se o por quê da Igreja ter autoridade para determinar a Bíblia.

O QUE DIZ A BÍBLIA

Visto que já sabemos que as passagens ensinadas pelos protestantes como provas da "sola Scriptura" estão mal interpretadas, verifiquemos agora como a Bíblia expressa que o que está escrito não é o único [regramento]. 
Comecemos pela era apostólica. Sabemos que Paulo foi o primeiro a escrever e sabemos que em sua Carta aos Coríntios fala da Última Ceia. Como aprendeu isto se ele não estava lá [na Ceia]? Certamente, não leu em parte alguma, pois até então não existia nenhum livro do Novo Testamento. De alguma pregação dos apóstolos é que aprendeu este mistério. Isto quer dizer que o ensino oral era o que berçava as primeiras comunidades cristãs.

São João, em sua segunda Carta, expressa: 

"Tenho muitas outras coisas para escrever-vos, porém, não quero fazê-lo por tinta e papel, pois espero ir até vós e falar-lhes face a face, para que nosso gozo seja completo" (2João 1,12). 

João não está dizendo que quer ir explicar-lhes a carta; para ele, é mais importante o ensino que lhes possa dar oralmente ao invés daquele lido em suas cartas. João sabe que ao ir pregar-lhes oralmente, o gozo dos fiéis será completo. Ademais, Jesus mandou que pregasse e não que escrevesse (Mateus 28,20); tão somente cinco apóstolos decidiram escrever: Pedro, João, Tiago Menor, Judas e Mateus; mas TODOS os Doze pregavam sem papel.

A razão pela qual se passou a escrever Cartas foi a impossibilidade dos Apóstolos alcançarem todos os povos. Perante esta situação, as cartas eram usadas para fazer-lhes algumas recomendações e exortações, PORÉM, NUNCA SUBSTITUÍRAM o ensino oral. Se lermos as Cartas, veremos que há muitas coisas que as comunidades deviam saber para que os autores apenas fizessem recomendações sobre elas. Eles não estendem suas cartas para ensinar-lhes coisas novas.

- Na Carta aos Coríntios, Paulo não os ensina como fazer a fração do pão, mas bem os repreende pela forma com que celebravam (1Coríntios 11).

- Na Carta aos Hebreus, não lhes repete os primeiros ensinamentos sobre Cristo; lhes dá por conhecidos (Hebreus 6,1-3).

Se lermos a Carta aos Gálatas, diz:

"Quisera estar convosco agora mesmo e mudar de tom, pois estou perplexo quanto a vós" (Gálata 4,20).

Paulo está consciente de que um povo deve estar escutando a pregação adequada para cada circunstância. Por isso fala em "mudar de tom". Com a simples Escritura, isso não era possível e, por essa razão, Paulo desejava ir à Galácia para fazer-lhes ver as coisas mediante um tom de voz apropriado. Se, por exemplo, alguém deixasse um recado a outra pessoa sobre algo, esta, quando chegasse, não saberia em que tom foi dito se a pessoa que tomou o recado não disser-lhe pessoalmente. Imagine-se, então, quando se tratar de levar o Evangelho de Cristo!

Fica-nos claro, assim, como a própria Escritura não busca ser autosuficiente, mas uma ferramenta a mais de Deus para comunicar-Se ao homem. Não que esteja abaixo da pregação apostólica, mas sujeita a esta.

FALTA ALGO IMPORTANTE NA BÍBLIA...

Comecemos por uma pergunta simples:

Se tudo está na Bíblia, em que passagem dela se diz que o Novo Testamento deve conter 27 livros e quais são esses livros?

Nenhum protestante a encontrará. Quem decidiu [essa matéria]? Geralmente, os protestantes se fazem de distraídos quanto a isto. Posso dizer isso porque eu lhes tenho feito essa pergunta e a resposta mais comum é: "O Senhor o revelou pelo Espírito Santo".

Ahhhhh! Isso foi revelado pelo Espírito, mas quando falamos de algo que a Igreja ensina e não está na Bíblia, e dizemos que foi revelado pelo Espírito, aí não pode ser. Um cristão não se acomoda à árvore que oferece mais sombra.
Que dizemos nós, católicos?

Dizemos que há uma só Revelação dada pelo Espírito Santo; e que esta Revelação está contida na Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição. Ambas procedem da mesma fonte, diferenciando apenas na forma em que se manifesta.

Então, vemos que para os católicos existe algo à parte da Bíblia: a Tradição.
A respeito da Tradição, os protestantes têm buscado classificá-la como coisa de homens e não como revelação de Deus. Primeiro, mostrarei as citações que eles usam para atacar a Tradição. Antes, porém, cabe dizer que, para eles, qualquer passagem em que apareça a palavra "tradição" já se refere ao que dizem os católicos; mas isso é falso.

"Assim, invalidastes o mandamento de Deus por vossa tradição" (Mateus 15,6). 

Nesta passagem, Jesus condena os fariseus porque davam mais importância a uma tradição judaica como "lavar as mãos" do que cumprir o mandamento de Deus. Esta passagem não vai contra a Sagrada Tradição ensinada pela Igreja, já que esta Tradição está baseada no ensinamento de Jesus transmitido oralmente, e não em tradições judaicas. De todo modo, analisemos algo: a palavra grega para "tradição" se traduz como "paradosis"; é a mesma palavra usada em Tessalonicenses:

"Assim, irmãos, estai firmes e retei a doutrina que aprendestes, seja por palavra ou por carta nossa" (2Tes. 2,15). 

O interessante é que os evangélicos tenham usado esta palavra e a tenham traduzido por "doutrina", que possui outra palavra em grego, "didaskaleo". É certo que aqui se poderia usar doutrina ou tradição, mas POR QUE quando se refere aos homens colocam "tradição" e quando se refere ao ensinamento apostólico usam "doutrina"? Ora, por que não deixar em ambos os casos "tradição", se assim está mais de acordo com o texto grego? Isto é o que os seguidores protestantes não sabem, como os seus líderes jogam com a Bíblia, fazendo crer que os Testemunhas de Jeová são os únicos que a alteram (1). Seja como for, a última citação nos faz ver que os próprios apóstolos apoiavam qualquer das formas de ensino: oral e escrito.

Outra passagem modificada é 1Cor 11,2, onde se altera a palavra "tradições" para "instruções", que tem outro significado em grego, "paideia", nunca "paradosis". É triste ver um protestante vangloriar-se da "sola Scriptura" sendo que até esta foi alterada (se os protestantes não crêem nisto, podem conferir consultando uma tradução interlinear espanhol-grego editada por eruditos sérios).

Outra citação usada pelos protestantes é:

"Olhai para que ninguém vos engane por intermédio de filosofias e vãs sutilezas, segundo as tradições dos homens" (Colossenses 2,8). 

Novamente, esta passagem é usada apenas porque aparece a palavra "tradições". Se entendermos o motivo da Carta aos Colossenses, poderemos ver que essa comunidade estava sendo invadida por novas ideologias que não correspondiam com o ensino apostólico e, por tal razão, Paulo a adverte para que não se deixe levar por isso. Essas correntes iam contra o que ensinavam ORALMENTE os apóstolos e não contra a Escritura. Como entender que isto não era o que a Igreja chama de "Tradição"? O próprio São Paulo responde esta pergunta em sua Carta a Timóteo:

"O que ouviste de mim perante muitas testemunhas, encarrega a homens fiéis, que sejam idôneos, para ensinar também a outros" (2Timóteo 2,2).

Se lermos bem, aqui são mencionadas quatro gerações consecutivas: 1-Paulo, 2-Timóteo, 3-Homens escolhidos por Timóteo e 4-Homens ensinados pelos homens imediatamente precedentes. Isto é o que a Igreja Católica chama de Sagrada Tradição: o ensino dos Apóstolos transmitido de geração em geração sob o selo do Espírito Santo; este ensino não é literal na Bíblia, mas se apóia nela e nunca a contradiz.

Poderiam refutar: "Como saber se este ensino se manteve sem intromissão humana?". Partamos da base: Jesus. Ninguém duvida de que o que ensinou Jesus aos seus apóstolos foi diferente do que eles pregaram. Como puderam eles entender essas coisas? Muitas vezes os apóstolos não compreendiam a mensagem de Jesus (Mateus 15,16; 16,9), porém, chegou um momento em que eles puderam entender TUDO:

"Então se lhes abriu o entendimento, para que compreendessem as Sagradas Escrituras" (Lucas 24,45). 

A partir desse instante, os Apóstolos entenderiam todos os mistérios contidos no Antigo Testamento e, assim mesmo, PODERIAM DISCERNIR quais livros conteria o Novo Testamento. 

Apenas eles tiveram acesso a esse conhecimento?

NÃO. Jesus disse que lhes enviaria o Espírito Santo:
"Porém, quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará a toda verdade (...) e vos fará saber as coisas que hão de vir" (João 16,13). 

Ou seja, que o Espírito Santo ensinaria coisas novas. Essa presença ultrapassaria a morte dos Apóstolos, por isso, eles transmitiram seus conhecimentos a uma nova geração sob a ação do Espírito. O livro dos Atos nos mostra como foram escolhidos os sete diáconos:

"Buscai, pois, irmãos, dentre vós, a sete varões de bom testemunho, cheios do Espírito Santo" (Atos 6,3).
Mais adiante, se v

erá que este serviço se outorgava com a imposição das mãos sobre os diáconos (Atos 6,6). Que se obtia com isto? Que o ensino, conforme testemunhado pelo Espírito, não se perdia, igual ao que se sucedeu a Timóteo, em 1Tim. 4,14.

Se prosseguirmos lendo os Atos, veremos que estes diáconos possuíam a sabedoria para conhecer os mistérios do Antigo Testamento. Por exemplo, Estevão (At. 7) e Felipe (At. 8,26-39), sendo simples diáconos, tinham a mesma sabedoria dos Apóstolos. Isto não se pode explicar por outra razão senão a ação do Espírito Santo para manter a unidade da Igreja em uma só fé. Eles não leram as Escrituras como única forma para se alcançar a vida eterna. Foi a Tradição da Igreja que os levou a professar sua fé, fé que sempre esteve de acordo com as Escrituras desde então.

Tentar entender a Escritura sem a Tradição faz com que se criem muitas heresias, como as de Ário. Ele pensava que Jesus era Filho deDeus, mas apenas como forma de linguagem. Interpretando a seu modo a passagem de Colossenses 1,15, chegou a dizer que Cristo era uma criatura de Deus, o que ia contra o ensino da Igreja Católica sobre a Divindade de Cristo. Esta é uma amostra de que apenas os delegados por Cristo podem interpretar corretamente a Palavra de Deus, já que são eles os depositários da fé. A esse respeito, diz Paulo a Timóteo:

"Guarda o mandato, preservando-o de tudo o que possa manchá-lo ou adulterá-lo até a vinda gloriosa de Cristo Jesus, Senhor nosso" (1Tim. 6,14).

 
Isso é o que tem feito o Magistério da Igreja: preservar a mensagem de Cristo tal como Ele a pregou; por isso, eu peço para que busquem, com fundamento, nestes dois mil anos de história da Igreja, alguma doutrina alterada em algum ponto.

O impacto que tem na inteligência de um protestante essa doutrina da "sola Scriptura" os leva a querer justificar tudo ali, porém não são coerentes. Há uma pergunta que faço a eles para analisar esse fenômeno: "Crês no Purgatório?"; "Não, claro que não. Isso não está na Bíblia!". Perante essa resposta, volto a perguntar-lhes: "Como não está? O que significa a palavra 'purgatório'?". Muitos se calam porque nem sequer sabem o que é realmente o Purgatório; já não sabiam quando eram "supostamente" católicos, muito menos agora! 

Em geral, como os protestantes têm distorcido as nossas doutrinas, acabam por não querer entendê-las. De todo modo, embora a palavra "purgatório" não apareça na Bíblia, seu conteúdo está ali implicitamente. Então volto a perguntar aos protestantes: "Por que crês na Trindade se não aparece na Bíblia?". Eles me dizem: "Claro que está. Está implícita!". Eu lhes respondo: "O Purgatório também está implícito, mesmo que não apareça a palavra". Eles se calam e se vão. Realmente, não entendo por que um questionamento como este não lhes faz sacudirem a cabeça para que caia a venda colocada pela sua igreja, que oferece-lhes uma meia-verdade, e mal-interpretada.

Seja como for, reflitamos algo. Ainda que se tenha deixado a Sagrada Tradição imperar como regra de fé juntamente com a Sagrada Escritura durante quinze séculos, não houve debilitação da unidade da fé. Apenas a Martinho Lutero se lhe ocorreu, para justificar as suas doutrinas, renunciar a Tradição da Igreja para ficar apenas com a Bíblia; daí surgiram milhares de seitas diferentes sob a denominação protestante: luteranos, calvinistas, pentecostais, evangélicos, testemunhas de jeová, mórmons, adventistas, moonistas etc. (não terminaria de enumerá-las), todas elas crendo ser as únicas donas da verdade. Se fizermos um exame da vantagem desta doutrina inventada há seis séculos, veremos que se tornou na pior fase do Cristianismo: uma amostra de que se trata de doutrina humana!

A Tradição, ainda que sustentada por homens, pelos sucessores de Pedro na sé apostólica, nunca levou a erros doutrinais. Jesus preservou a fé de Pedro, dando a entender que, com relação à doutrina, sempre teria a verdade, embora não tenha feito o mesmo acerca do seu comportamento humano; a prova é que negou a Jesus, deu mau exemplo quando Paulo o advertiu, visto que seu comportamento não ia de acordo com os seus ensinamentos. Portanto, ainda que muitos argumentem contra os papas e coisas [más] que possam ter feito, tais atos são errôneos em seu comportamento, nunca porém atingiram pontos doutrinários.

 
De toda forma, a verdade é uma: nem tudo está na Bíblia. Deus se nos manifestou na Escritura e na Tradição, no que se escreveu e no que se pregou.
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(1) O autor do artigo faz alusão à tradução espanhola da Bíblia de Reina-Valera, de pena e uso protestante [NdoT].
Autor: Anwar Tapias Lakatt (Colômbia)



TUDO ESTÁ NA BÍBLIA?

domingo, 25 de novembro de 2012

A FESTA DE CRISTO REI E OS MÁRTIRES MEXICANOS


A FESTA DE CRISTO REI E OS MÁRTIRES MEXICANOS

No último dia 23 celebrou-se a festa do Beato Miguel Agustin Pró, assassinado pelos comunistas mexicanos pouco tempo depois da promulgação da Encíclica de Pio XI que instituiu a Festa de Cristo Rei. Esta encíclica foi publicada em março de 1925, no mesmo período em que os católicos eram perseguidos no México pela revolução comunista, tendo despertado neles uma grande devoção a Cristo Rei. Pouco mais de 2 anos depois, em novembro de 1927, o padre Pró morre mártir proclamando bem alto o título de Cristo Rei perante seus verdugos. Com o exemplo do Beato Padre Pró diversos outros católicos morreram mártires proclamando também a Cristo Rei do Universo. Vários deles foram beatificados alguns até já canonizados.


A partir de 2009 começou a se realizar na Cidade do México uma solene procissão em homenagem ao  Beato Padre Pro. O cortejo parte do local onde o jesuíta foi executado, percorre algumas grandes ruas e termina na igreja da Sagrada Família e faz uma parada na Paróquia de Guadalupe, Rainha da Paz, onde o sacerdote exercia sua ação pastoral. Na igreja da Sagrada Família é, onde encontra-se hoje os restos mortais do beato. Os fiéis passam todo o tempo da procissão proclamando brados e entoando o  hino em honra de Cristo Rei.

A respeito da Festa de Cristo Rei,  reproduzimos abaixo artigo publicado pela revista “Arautos do Evangelho”, de novembro de 2004:
Cristo, Rei do Universo
Evangelho:
35 O povo estava a observar. Os príncipes dos sacerdotes com o povo O escarneciam dizendo: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus!" 36 Também o insultavam os soldados que, aproximando-se dele e oferecendo-lhe vinagre, 37 diziam: "Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!" 38 Estava também por cima de sua cabeça uma inscrição: "Este é o Rei dos judeus". 39 Um daqueles ladrões que estavam suspensos da cruz, blasfemava contra ele, dizendo: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós" 40 O outro, porém, tomando a palavra, repreendia-o dizendo: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? 41 Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal." 42 E dizia a Jesus: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" 43 Jesus disse-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso." (Lc 23, 35-43).
Por direito de herança e de conquista, Cristo reina com autoridade absoluta sobre todas as criaturas. Entretanto, não governa segundo os métodos do mundo.
      Mons. João Clá Dias, EP

I - REI NO TEMPO E NA ETERNIDADE
Ao ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?
Tanto mais que, em extremo contraste com esse trecho de São Lucas, a segunda leitura de hoje nos apresenta Jesus Cristo como sendo "a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação (...) porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude" (Col 1, 15 e 19). Como conciliar esses dois textos, à primeira vista, tão contraditórios?
Para melhor compreendermos esse paradoxo, devemos distinguir entre o Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas: "Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra" (Mt 28, 18).
Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais, dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.
Assim, enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.
Por outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.
O governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena. Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objetivos são ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo, ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não assistidos pela graça, neles não se pode confiar.
Napoleão Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio ao qual ficara reduzido. Em síntese, a plenitude da felicidade de um governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mc 8, 36).
II - A REALEZA ABSOLUTA DE CRISTO
A Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu estas palavras:
"Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede- me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás com cetro de ferro" (Sl 2, 7-9).
Rei por direito de herança
Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (1).
Rei por ser Homem-Deus
Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.
O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme comenta Santo Agostinho: "Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto, as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho" (2).
De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.
Rei por direito de conquista
Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a Satanás.
Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: "Porque fostes comprados por um grande preço!" (I Cor 6, 20).
Rei por aclamação
Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.
Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades
Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.
Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo - além de suas máximas, revelações e conselhos - Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé. Através dessa magna instituição Ele orienta, ampara e santifica todos os que nela ingressam, e vai em busca das ovelhas desgarradas.
Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino Sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.
Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto a "videira verdadeira" é a causa da vitalidade dos ramos. A seiva que por eles circula, alimentando flores e frutos, tem sua origem n'Aquele Unigênito do Pai (Jo 15, 1-8). Ele é a Luz do Mundo (Jo 1, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5) para auxiliar e dar vida aos que dela quiserem se servir para evitar as trevas eternas. Jesus - segundo a leitura de hoje - é "a cabeça do corpo que é a Igreja, é o Princípio, o Primogênito entre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando pelo Sangue da sua Cruz, tanto as coisas da terra, como as do Céu" (Col 1, 18-20).
O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. Só no Homem- Deus se encontra a plenitude da graça, enquanto essência, virtude, excelência e extensão de todos os seus efeitos. Os outros membros do Corpo Místico participam das graças que têm sua origem em Jesus, a cabeça que vivifica todo o organismo. Quem de maneira privilegiadíssima tem parte em grau de plenitude nessa mesma graça, é a Santíssima Virgem.
Dada a desordem estabelecida em nós após o pecado original, acrescida pelas nossas faltas atuais, nossa natureza necessita do auxílio sobrenatural para atingir a perfeição. Sem o sopro da graça, é impossível aceitar a Lei, obedecer aos preceitos morais, não elaborar razões falsas para justificar nossas más inclinações e conhecer, amar e praticar a boa doutrina de forma estável e progressiva. Ela refreia nossas paixões e as equilibra nos gonzos da santidade, orienta nosso espírito, modera nossa língua, tempera nosso apetite, purifica nosso olhar, gestos e costumes. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é nessa paz e harmonia que se encontra nossa autêntica felicidade, e esse é o Reino de Cristo em nosso interior.
E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de o cometer, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.
III - A IGREJA, MANIFESTAÇÃO SUPREMA DO REINADO DE CRISTO
O júbilo e às vezes até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: "Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ef 5, 25-27).
Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições - ou pior ainda, faltas veniais - nos mais justos, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. Até mesmo a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Santíssima Virgem, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção nesta terra, onde aguardam o grande dia da Ressurreição.
Portanto, a "Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" , manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude.
E quando definitivamente triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, ou seja, a morte! Pela desobediência de Adão, introduziram-se no mundo o pecado e a morte. Pelo seu Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressurreição no fim do mundo, conforme o próprio São Paulo nos ensina:
"Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés'. Ora, o último inimigo a ser destruído será a morte; porque Deus ‘todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés' " (I Cor 15, 25- 26).
Cristo Rei, por força da Ressurreição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Ao retomarem seus respectivos corpos, as almas bem-aventuradas farão com que eles possuam sua glória; e assim, serão também os eleitos outros reis cheios de amor e gratidão ao Grande Rei. Apresentarse- á o Filho do Homem em pompa e majestade ao Pai, acompanhado de um numeroso séqüito de reis e rainhas, tendo escrito em seu manto: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Apoc 19, 16)
IV - SE CRISTO É REI, MARIA É RAINHA
Se Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu o poder sobre toda a Criação no momento em que foi engendrado, daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade. O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.
V - CONCLUSÃO
Agora sim, estamos aptos a entender e amar a fundo o significado do Evangelho de hoje. A resposta ao povo e aos príncipes dos sacerdotes que escarneciam contra Jesus: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus" (v. 35), como também aos próprios soldados romanos em seus insultos: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo" (v. 37), transparece claramente nas premissas até aqui expostas.
Eles eram homens sem fé e desprovidos do amor a Deus, julgando os acontecimentos em função de seu egoísmo e por isso levados a se esquecerem de sua contingência. Cegos de Deus, já há muito afastados de sua inocência primeva, perderam a capacidade de discernir a verdadeira realidade existente por trás e por cima das aparências de derrota que revestiam o Rei eterno transpassado de dor sobre o madeiro, desprezado até pelas blasfêmias de um mau ladrão. Não mais se lembram dos portentosos milagres por Ele operados, nem sequer de suas palavras: "Julgas porventura que Eu não posso rogar a meu Pai e que poria já ao meu dispor mais de doze legiões de anjos?" (Mt 26, 53). Sim, se fosse de sua vontade, numa fração de segundo poderia reverter gloriosamente aquela situação e manifestar a onipotência de sua realeza, mas não o quis, como o fez em outras ocasiões: "Jesus, sabendo que O viriam arrebatar para O fazerem rei, retirou-se de novo, Ele só, para o monte" (Jo 6, 15).
Quem discerniu em sua substância a Realeza de Cristo foi o bom ladrão, por se ter deixado penetrar pela graça. Arrependido em extremo, aceitou compungido as penas que lhe eram infligidas, e reconhecendo a Inocência de Jesus no mais fundo de seu coração, proclamou os segredos de sua consciência para defendê-La das blasfêmias de todos: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal" (vv. 40-41). Eis a verdadeira retidão. Primeiro, humildemente ter dor dos pecados cometidos; em seguida, com resignação abraçar o castigo respectivo; por fim, vencendo o respeito humano, ostentar bem alto a bandeira de Cristo Rei e aí suplicar- Lhe: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" (v. 42)
Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino.
Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso" (v. 43).
1 ) cf. Hb 1, 2-5.
2 ) Enarrat. in Ps. 5 n. 3: PL 37, 83
***
Eis uma solução eficaz para todas as crises atuais: a celebração solene da festa de Cristo Rei
Assim se exprime o Papa Pio XI a esse respeito:
Cristo, fonte da verdadeira Paz
Se soubessem os homens resolver-se a reconhecer a autoridade de Cristo em sua vida particular e pública, deste ato para logo dimanariam em toda a humanidade incomparáveis benefícios: uma justa liberdade, a ordem e o sossego, a concórdia e a paz (...).
Se os príncipes e governos legitimamente constituídos tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usariam do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria possíveis Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus súditos! Então floresceria a ordem, então veríamos difundirem- se e firmarem-se a tranqüilidade e a paz (...).
Oh! que ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então finalmente - para citarmos as palavras que, há 25 anos, o Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos bispos do mundo inteiro - fora possível sanar tantas feridas; o direito recobraria seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; tornaria a paz com todos os seus encantos. e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre" (Enc Annum Sacrum) (...).
As festividades, mais eficazes que os documentos
A fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas vantagens, e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o.conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador Ora, nada pode, pelo que nos parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa própria e especial em honra de Cristo Rei.
Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida eterna, mais eficazes que os documentos do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam. um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer, no homem todo Composto de corpo e alma, precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina, e, transformando- em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua vida espiritual.
Além disso, ensina-nos a própria História, que estas festividades litúrgicas foram introduzidas no decorrer dos séculos, umas após outras, para. responder a necessidades ou vantagens espirituais do povo cristão. Foram-se constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum inimigo comum, para premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os corações a celebrar com a mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou algum benefício da divina graça (...) Assim se deu com a festa de Corpus Christi, instituída quando se esfriava a reverência e o culto para com o Santíssimo Sacramento.
Instituição da festa
A festa, doravante anual, de "Cristo-Rei" dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo (...) Uma festa, anualmente celebrada por todos os povos em homenagem a Cristo-Rei, será sobremaneira eficaz para condenar e ressarcir, de algum modo, esta apostasia pública (...).
Portanto, em virtude de Nossa autoridade apostólica, instituímos a festa de "Nosso Senhor Jesus Cristo Rei", mandando que seja celebrada cada ano, no mundo inteiro, no último domingo de outubro (...) porque ele, em certo modo, encerra o ciclo do ano litúrgico. Destarte, os mistérios da vida de Jesus Cristo, comemorados no decorrer do ano que finda, terão na solenidade de "Cristo-Rei" seu como termo e coroa.

(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2004)

Prostar-se nem sempre significa adoração!

Catequeses do Ano da Fé. O que é a fé?


Catequeses do Ano da Fé. O que é a fé?

PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 24 de Outubro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,
Na quarta-feira passada, com o início do Ano da fé, dei início a uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas sobretudo que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.
Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor um certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, um certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?
Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exacto e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos. A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um «Tu», que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exacto ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este «Tu», Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no «tu» da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o facto de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.
Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: «Quem crer e for baptizado será salvo, mas quem não crer será condenado» (Mc 16, 16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto. A confiança na acção do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. Já santo Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: «Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa» (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678). Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.
Mas perguntemo-nos: de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade”» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Baptismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Baptismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.
A fé é dom de Deus, mas é também acto profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica afirma-o claramente: «O acto de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um acto autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem» (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à acção de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu «sim» a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.
Caros amigos, o nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim. Obrigado!

Saudações
Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projecto de Deus a vosso respeito. Acompanham-vos a minha oração e a minha Bênção.

E agora, com grande alegria, anuncio que no próximo dia 24 de Novembro realizarei um Consistório no qual nomearei 6 novos Membros do Colégio Cardinalício.
Os Cardeais têm a tarefa de coadjuvar o Sucessor de Pedro no desempenho do seu Ministério de confirmar os irmãos na fé e ser princípio e fundamento da unidade e da comunhão da Igreja.
Eis os nomes dos novos Purpurados:
1. D. James Michael Harvey, Prefeito da Casa Pontifícia, que tenciono nomear Arcipreste da Basílica Papal de São Paulo Extramuros;
2. Sua Beatitude Béchara Boutros Raï, Patriarca de Antioquia dos Maronitas (Líbano);
3. Sua Beatitude Baselios Cleemis Thottunkal, Arcebispo-Mor de Trivandrum dos Sírio-Malancares (Índia);
4. D. John Olorunfemi Onaiyekan, Arcebispo de Abuja (Nigéria);
5. D. Rubén Salazar Gómez, Arcebispo de Bogotá (Colômbia);
6. D. Luis Antonio Tagle, Arcebispo de Manila (Filipinas).
Os novos Cardeais — como ouvistes — desempenham o seu ministério ao serviço da Santa Sé ou como Padres e Pastores de Igrejas particulares em várias partes do mundo.
Convido todos a rezar pelos novos eleitos, pedindo a materna intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, para que saibam amar sempre Cristo e a sua Igreja com coragem e dedicação.