O Papa e o Preservativo
Desde o sábado passado, 20 de novembro, a imprensa, líderes de organizações mundiais e até prelados que sofrem do "complexo anti-romano" batem palmas para o Papa que "liberou" o uso do preservativo.
Para a agência Associated Press, "Aceita o Papa uso de preservativo em determinados casos", para Reuters, "O Papa afirma que preservativos podem ser usados no combate à AIDS", para Agence France Presse, "Surpreendente abertura ao preservativo muda imagem do Papa". A mídia do mundo inteiro reproduz manchetes na mesma linha.
Mas, o Papa mudou mesmo a posição da Igreja? Este tema tem a ver com a forma como os católicos enfrentem as políticas públicas de combate a doenças de transmissão sexual. O que aconteceu?
Primeiro, um imprudente serviço informativo de L'Osservatore Romano antecipou no sábado passado alguns trechos do livro Luz do mundo, que é resultado de uma longa entrevista que o jornalista Peter Seewald fez com o Papa Bento XVI entre 26 e 31 de julho passados, no Palácio Apostólico de Castelgandolfo. O livro sairá à venda em vários idiomas amanhã, 23 de novembro.
Afirmamos que o serviço de L'Osservatore Romano foi, pelo menos, imprudente pois apareceu justo no dia em que o Santo Padre tratava de temas importantíssimos em Consistório e um dia antes da cerimônia de criação de 24 novos cardeais. Ou seja, havia agenda cheia para oferecer à imprensa e poder destacar os pronunciamentos dos novos cardeais. Resultado: Giovanni Maria Vian, diretor do L'Osservatore Romano, conseguiu silenciar todos os cardeais e afastá-los da imprensa porque o único que um jornalista iria perguntar-lhes agora era se o Papa mudou ou não a posição da Igreja sobre o preservativo e qual a opinião dos purpurados. Porque um homem com décadas de experiência jornalística fez isto? Por quem joga Vian?
Vale aqui lembrar que não é a primeira vez que, com uma falta assustadora de profissionalismo, ou uma boa dose de má-fé, Vian tem colocado o Papa no olho do furacão ou o jornal oficioso da Santa Se à beira do ridículo. Ele já usou das páginas do quotidiano vaticano para dar espaço a quem defendem o aborto por "compaixão", para festejar a eleição de Barack Hussein Obama, para elogiar os Beatles, Michel Jackson e Harry Potter, ou para afirmar que Homer Simpson é católico.
Ainda, cabe verificar o que foi que o Papa falou e o que não falou. Vejamos o que disse o Papa a Peter Seewald (os negritos são nossos):
Em África, Vossa Santidade afirmou que a doutrina tradicional da Igreja tinha revelado ser o caminho mais seguro para conter a propagação da SIDA/AIDS. Os críticos, provenientes também da Igreja, dizem, pelo contrário, que é uma loucura proibir a utilização de preservativos a uma população ameaçada pela SIDA/AIDS.
Em termos jornalísticos, a viagem a África foi totalmente ofuscada por uma única frase. Perguntaram-me porque é que, no campo da AIDS, a Igreja Católica assume uma posição irreal e sem efeito – uma pergunta que considerei realmente provocatória, porque ela faz mais do que todos os outros. E mantenho o que disse. Faz mais porque é a única instituição que está muito próxima e muito concretamente junto das pessoas, agindo preventivamente, educando, ajudando, aconselhando, acompanhando. Faz mais porque trata como mais ninguém tantos doentes com sida e, em especial, crianças doentes com sida. Pude visitar uma dessas unidades hospitalares e falar com os doentes.
Essa foi a verdadeira resposta: a Igreja faz mais do que os outros porque não se limita a falar da tribuna que é o jornal, mas ajuda as irmãs e os irmãos no terreno. Não tinha, nesse contexto, dado a minha opinião em geral quanto à questão dos preservativos, mas apenas dito – e foi isso que provocou um grande escândalo – que não se pode resolver o problema com a distribuição de preservativos. É preciso fazer muito mais. Temos de estar próximos das pessoas, orientá-las, ajudá-las; e isso quer antes, quer depois de uma doença.
Efetivamente, acontece que, onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. Tem de se fazer mais. Desenvolveu-se entretanto, precisamente no domínio secular, a chamada teoria ABC (Abstinence, Be faithful, Condom), que defende Abstinência, Fidelidade, Preservativo, sendo que o preservativo só deve ser entendido como uma alternativa quando os outros dois não resultam. Ou seja, a mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias. É por isso que o combate contra a banalização da sexualidade também faz parte da luta para que ela seja valorizada positivamente e o seu efeito positivo se possa desenvolver no todo do ser pessoa.
Pode haver casos pontuais, justificados, como por exemplo a utilização do preservativo por um prostituto [ein Prostituierter, no original], em que a utilização do preservativo possa ser um primeiro passo para a moralização, uma primeira parcela de responsabilidade para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer. Não é, contudo, a forma apropriada para controlar o mal causado pela infecção por VIH/HIV. Essa tem, realmente, de residir na humanização da sexualidade.
Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização de preservativos?
É evidente que ela não a considera uma solução verdadeira e moral. Num ou noutro caso, embora seja utilizado para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.
Luz do Mundo, Bento XVI e Peter Seewald, Editrice Vaticana, versão original alemã, 2010.
Portanto, o Papa colocou sua opinião sobre o uso de preservativos dentro do contexto da luta contra o AIDS, e em particular acerca de uma estratégia para isso amplamente utilizada em alguns países africanos e nos Estados Unidos denominada ABC. É nesse contexto que se coloca o exemplo que utiliza o Papa: um homem que se dedica à prostituição, previsivelmente com atos homossexuais e por tanto, per se, fechados à vida. Ele não afirma que seja um ato moral o "prostituto" usar preservativo, mas que pode ser "um primeiro passo para a moralização", ou seja, para assumir "uma primeira parcela de responsabilidade, para voltar a desenvolver a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer tudo o que se quer".
As edição alemã, inglesa e francesa do texto divulgado pelo L'Osservatore Romano com trechos do livro-entrevista conservaram a palavra original da resposta "ein Prostituierter", o masculino de uma pessoa dedicada à prostituição. Mas a edição italiana não, ela usa o feminino. Quem foi responsável pela tradução? Também subordinados ao padre Lombardi?
Como quer que seja, a opinião do Santo Padre, colocada no livro-entrevista, não muda a doutrina da Igreja, só sublinha que "pode haver casos pontuais" em que seu uso seja justificado, e não que necessariamente seja "um ato moralmente bom". No campo da Teologia Moral, inclui-se no campo dos casos especiais ou da casuística.
Deve-se salientar que, no livro, o Santo Padre, ao se referir à encíclica Humanae Vitae, diz: "as perspectivas da Humanae vitae permanecem válidas".
Em nota do dia 21 de novembro passado o padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, disse: "O Papa não está reformando ou mudando o ensinamento da Igreja, mas reafirmando-o, ao colocá-lo em um contexto do valor e da dignidade da sexualidade humana enquanto uma expressão de amor e responsabilidade".
"O Papa reafirma que 'naturalmente, a Igreja não considera a camisinha como uma solução autêntica e moral' ao problema da AIDS", adverte.
Agora, fica evidente que o Papa não falou sem pensar. Ainda que as respostas a Seewald foram espontâneas, ele teve oportunidade de corrigir os rascunhos do livro. Além do mais, o próprio Papa pediu em 2006 ao Pontifício Conselho para a Pastoral da Saúde, então dirigido pelo cardeal mexicano Javier Lozano Barragán, um estudo detalhado sobre todas as implicações relacionadas com o tema do preservativo e a AIDS desde a ótica médica. O texto não contemplou valorações teológicas ou morais, só sanitárias e técnicas. Por tanto, trata-se de um tema que já foi estudado pelo Pontífice, desde diversos aspectos.
Porém, sua resposta no livro é só uma opinião, vertida num colóquio, e não um ato do Magistério. Opinião que, lida por completo, sem ser tirada de contexto, não se contrapõe ao que até hoje foi e é ensinado pela Igreja.
fonte:http://www.votocatolico.com.br/2010/11/o-papa-e-o-preservativo.html
fonte:http://www.votocatolico.com.br/2010/11/o-papa-e-o-preservativo.html
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