O cuidado com a celebraçãoSeja fiel na criatividade observando os conceitos que dinamizam a liturgia
POR PE. CARLOS GUSTAVO HAAS
Falar de criatividade é uma tarefa complexa e difícil. Afinal, até o Vaticano II, a liturgia viveu uma fase de 400 anos de “imobilismo”, onde nada podia mudar. E mudar, também não é fácil.
Apresento aqui alguns pontos que poderão ser aprofundados numa reflexão individual ou nas equipes de liturgia.
 1. “Ser criativos” em uma celebração
Quando queremos “ser criativos” em uma celebração, nossa primeira preocupação deve ser a participação mais plena, ativa e frutuosa da assembleia.  O grande motivo para “mudar” palavras, gestos, sinais e ritos não é o gosto da equipe de liturgia ou o que vimos em um show ou mesmo em uma missa transmitida pela TV, mas sim, a maior participação no culto a Deus, integrado em nossa vida atual.
Cito as palavras de Bento XVI na Exortação “Sacramentum Caritatis”, n. 38:  “O primeiro modo de favorecer a participação do povo de  Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa. A arte da celebração resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente esse modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, ‘sacerdócio real , nação santa’” (cf. 1Pd 2,4-5.9).
2. Ser “criativo” é ser fiel
Temos então um segundo elemento: ser “criativo” é ser fiel.  Ser criativo não significa  “inventar”.         Não podemos confundir “criatividade” com “criativismo” – fazer algo diferente apenas por fazer diferente.  Gosto do que escreveu Bento XVI: “A liturgia, por sua natureza, possui uma tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem cativar o ser humano na sua totalidade. A simplicidade dos gestos e a sobriedade dos sinais, situados na ordem e nos momentos previstos, comunicam e cativam mais do que o artificialismo de adições inoportunas” (Sacramentum Caritatis, 40).
 O povo logo percebe quando propomos algo que vem apenas de um gosto ou ideia pessoal, ou quando somos criativos a partir do rito, do momento celebrativo, do mistério que estamos vivenciando.
No Documento 43 da CNBB, Animação da Vida Litúrgica no Brasil, n. 170, lemos: “Por criatividade não se deve entender tirar como que do nada, expressões litúrgicas inéditas. Pelo contrário, a verdadeira criatividade é orgânica: está ligada aos ritos precedentes como o celebrante de hoje aos do passado”.
 4 cuidados que devemos ter
1. O “ativismo”: fazer na celebração um “desfile” de vários elementos, símbolos, gestos, ritos, sem silêncio, com movimentos em excesso.  É a tentação de querer fazer tudo em uma única celebração.
2. O “intelectualismo”: é quando queremos explicar tudo que acontece em uma celebração.  A celebração torna-se “cerebração”, poluída com comentários e mais comentários.
3 .O “espontaneismo”: deixar tudo para última hora, improvisar os ritos e gestos, deixando que aconteça apenas com a boa-vontade  dos participantes. A verdadeira espontaneidade não é inventar um gesto.  Os gestos mais expressivos da nossa existência são aqueles que, desde a nossa infância, nós enchemos de experiência humana, como abraçar a mãe, juntar as mãos, todos os gestos da oração que, para nós foram o meio próprio de nos encontrarmos com Deus; é aí que nós somos mais espontâneos.  A verdadeira espontaneidade consiste em encher de novidade um gesto de sempre, pois os gestos e as palavras das pessoas não podem ser inventados até ao infinito.
4. O “fixismo”: repetir sempre a mesma coisa, caindo no formalismo e na rotina.  Acaba cansando a assembleia, pois se torna algo sem o espírito próprio para o qual foi criado.
 Enfim, para sermos criativos na liturgia, precisamos levar a sério tudo o que fazemos. A simples modificação de um gesto, sinal, atitude, acarreta uma profunda alteração do significado de muitas ações litúrgicas.
Zelar pela liturgia não significa “engessá-la”.  “Liturgia é uma ação ritual, cuja característica é a repetição e a fidelidade à Tradição: “Façam isto (e não outra coisa!) para celebrar a minha memória (…)”. Liturgia não se inventa, se vive. O jogador de futebol não muda as regras do jogo; a cantora não inventa uma nova música, ignorando ou modificando a partitura. Ambos exercem sua criatividade ao entrar de corpo e alma no jogo de futebol ou na música; e dessa entrega nasce uma interpretação sempre nova, atual, surpreendente, tocante. É desse tipo de zelo que a liturgia precisa: unindo conhecimento e respeito pelas regras com entrega total ao ‘jogo’, levando a uma vivência profunda” (Ione Buyst, Liturgia em Mutirão, Edições CNBB, pág. 222).
 Pe. Carlos Gustavo Haas é Presbítero da Arquidiocese de Porto Alegre/RS, Assessor da Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, Mestre em Liturgia pelo Pontifício Instituto Litúrgico Santo Anselmo, Roma.

Artigos relacionados: