domingo, 1 de julho de 2012

UM EXORCISTA ENTREVISTA O DIABO


UM EXORCISTA ENTREVISTA O DIABO

UM EXORCISTA ENTREVISTA
AO DIABO

 
Edizioni PRO SANCTITATE
DOMENICO MONDRONE S.I,
UM EXORCISTA ENTREVISTA AO DIABO
1ª Edição Espanhola 2004 (traduzido da 31a. edição italiana 1976)
Editorial PRO SANCTITATE
Roma
 
 
Quem é Satanás? Que quer? Como atua?
 
PRÓLOGO
 
O Autor não está entre os que se envergonham de crer na existência do Diabo e de sua nefasta atividade no mundo e, às vezes, prejudicando a infelizes indivíduos. Ele aceita totalmente o ensinamento de Paulo VI, exposto no discurso de 15 de novembro de 1972.
 
Bem como demonstra haver tido alguma experiência direta com o Maligno na prática real dos exorcismos; adiciono ainda que tive troca de impressões e de idéias com outros sacerdotes melhor treinados na mesma experiência. Com certeza li o livro de C. S. Lewis Le Lettere de Berlicche; mas é outra coisa. Sobretudo tive presente a apreciável obra de Corrado Balducci Os endemoniados, e ainda Era de diabo de A.Bohm e outros textos.
 
Em particular parece que o Autor aprofundou na famosa meditação de As duas Bandeiras, onde o santo dos Exercícios Espirituais, com uma grande eficácia representativa, faz-nos ver o chefe de todos os demônios enquanto, «na figura horrível», expõe aos seus seu programa de ação e a tática que utiliza para apanhar em suas redes as almas e as massas inteiras de homens.
 
Nas páginas que seguem, o Autor quis oferecer-nos simplesmente uma rápida idéia do ser e do comportamento deste anjo tenebroso que trabalha incansavelmente para causar-nos dano.
 
O Diabo é o maior mestre dos enganos, é um trapaceiro de astúcia incomparável, que não atua descoberto, mas às escondidas; trabalha na sombra, e sempre considera como inteligentes aos que não crêem em suas artimanhas, e inclusive negam sua existência. Assim, os primeiros em cair em suas redes são precisamente os sabichões, os chamados "espíritos fortes", os grandes iluminados da ciência deste mundo.
 
«A astúcia mais perfeita do Demônio, escreveu Charles Baudelaire, consiste em persuadir-nos de que ele não existe». Negar, por isso, a existência e a ação do Maligno é começar a assegurar-lhe já sua vitória sobre nós.
 
O Autor, com base em sua experiência, crê que Deus pode talvez permitir - como no caso dos exorcismos - que o Maligno seja interlocutor com quem o exorciza… Este último, com a autoridade de Cristo e da Igreja, pode obrigar o Maligno a responder a perguntas precisas propostas a ele e, às vezes, ainda que é o pai da mentira, arrancar-lhe algumas verdades... O Autor se serve deste poder de maneira mais abundante… Se recorre à fantasia sobre o modo de preparar e de desenvolver os encontros, com isto não pretende dizer que são fantásticas tantas verdades justificadas pela realidade das coisas. O que aqui ameaça, vai realizando-a. De resto: «Para quem crê, nenhuma explicação é necessária; enquanto para os que não crêem, nenhuma explicação é possível»


 
PE.GRABRIELE AMORTH
 
PAI NOSSO... LIVRAI-NOS DO MAL > Discurso de Paulo VI - 15-XI-1872)
 
Quais são hoje as maiores necessidades da Igreja? Não lhe pareça simplista, ou inclusive supersticiosa ou irreal, nossa resposta: Uma das necessidades maiores é a defesa desse mal que se chama Demônio.
 
Antes de esclarecer nosso pensamento, convidamos o seu a abrir-se à luz da fé sobre a visão da vida humana, visão que desde este observatório se abre imensamente e penetra em profundidades singulares... E, na verdade, o quadro que estamos convidando a contemplar com realismo global é muito belo... É o quadro da criação, a obra de Deus, que o próprio Deus, como espelho exterior de sua sabedoria e de sua potência, admirou em sua beleza substancial (Gen 1,10).
 
Depois é muito interessante o quadro dramático da humanidade, de cuja história emergem a da redenção, a de Cristo, a de nossa salvação com seus maravilhosos tesouros de revelação, da profecia, da santidade, da vida elevada ao nível sobrenatural, das promessas eternas" (Ef. 1,10).
 
Sabendo olhar este quadro, não pode um não permanecer encantado (Santo Agustinho, Solilóquios): Tudo tem um sentido, tudo tem um fim e tudo deixa entrever uma Presença-Transcendência, um Pensamento, uma Vida e finalmente um Amor, pelo qual o universo, pelo que é e pelo que não é, apresenta-se a nós como uma preparação entusiasmante e gozosa de tantas coisas belas e ainda mais perfeitas do que esperamos (1 Co 2,9; 13,12; Rom 8,19-23).
 
A visão cristã do cosmos e da vida é, por tanto, triunfalmente otimista; esta visão justifica nossa vida e nosso reconhecimento de viver, pelo que nós, celebrando a glória de Deus, cantamos nossa felicidade (cf. O Glória da Missa) (NT.: Gloria cantado em latim).
 
O ensinamento bíblico
 
Mas é completa esta visão? É exata? Não nos importam em nada as deficiências que há no mundo? As disfunções do mundo com respeito a nossa existência? A dor, a morte, a maldade, a crueldade, o pecado: numa palavra, o mal? E não vemos quanto mal há no mundo? Especialmente quanto mal moral, ou seja, simultaneamente, se bem diversamente, contra o homem e contra Deus? Não é este triste espetáculo um mistério inexplicável? E não somos nós, precisamente nós seguidores do Verbo, os cantores do Bem, nós crentes, os mais sensíveis, os mais turvados pela observação e a experiência do mal?
 
Encontramo-lo no reino da natureza, onde tantas manifestações suas nos parece que denunciam uma desordem. Depois o encontramos no âmbito humano onde encontramos a debilidade, a fragilidade, a dor, a morte, e inclusive coisas piores, uma dupla lei contrastante, uma que quer o bem e a outra pelo contrário voltada para o mal, tormento que São Paulo coloca em humilhante evidência para demonstrar a necessidade e a fortuna de uma graça salvadora, da salvação trazida por Cristo (Rom 7); já o poeta pagão tinha denunciado este conflito interior no próprio coração do homem: "video meliora, proboque, deteriora sequor» (Ovidio Met 7,19).
 
Encontramos o pecado, perversão da liberdade humana, e causa profunda da morte porque é separação de Deus, fonte da vida, (Rom 5,12), e depois, a sua vez, ocasião e efeito de uma intervenção em nós e em nosso mundo de um agente obscuro e inimigo, o Demônio.
 
O mal não é só uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e pervertedor. Terrível realidade. Misteriosa e pavorosa.
 
Sai do quadro dos ensinamentos bíblico e eclesiástico quem recusa reconhecê-la como existente: e também quem faz disto um princípio em si mesmo, não tendo ele mesmo, como toda criatura, origem em Deus; inclusive a explica como uma pseudo-realidade, uma personificação conceitual e fantástica das causas desconhecidas de nossas más obras.
 
O problema do mal, visto em sua complexidade e em seu absurdo com relação a nossa racionalidade unilateral, torna-se obsessão. Isto constitui a dificuldade mais forte para nossa inteligência religiosa do cosmos. Por isto Santo Agostinho sofreu durante anos: "Quaerebam unde malum, et non erat exitus", Eu buscava de onde proviesse o mal e não encontrava explicação (Confissões VII, 5,7,11, etc. P L. 32, 736, 739).
 
Aqui vemos a importância que tem a advertência do mal para nossa correta compreensão cristã do mundo, da vida, da salvação. Primeiro no desenvolvimento da história do Evangelho ao princípio da vida pública: Quem não lembra a página densíssima de significados da tripla tentação de Cristo? Depois em tantos outros episódios evangélicos, nos quais o Demônio cruza os passos do Senhor e figura em seus ensinamentos (Mt 12,43). E como não recordar que Cristo, referindo-se três vezes ao Demônio, como seu adversário o qualifica como «príncipe deste mundo» (Jn 12,31; 14,30; 16,11)?
 
E a incumbência desta nefasta presença é assinalada em muitíssimos passos do Novo Testamento. São Paulo o chama “o deus deste mundo" (II Co 4,4) e nos põe de sobreaviso sobre a luta contra as trevas, que nós os cristãos devemos sustentar não com um só Demônio, mas com uma temerosa pluralidade: «Revesti-vos, diz o Apóstolo, da armadura de Deus para poder afrontar as insídias do diabo, porque nossa luta não é somente com sangue e com a carne, mas contra os Principados e as Potestades, contra os dominadores das trevas, contra os espíritos malignos do ar" (Ef. 6,11-12).
 
Diversas citações evangélicas nos indicam que não se trata só de um Demônio, e sim de muitos (Lc11,21; Mc 5,9), mas um é o principal: Satanás, que quer dizer O Adversário, o inimigo; e com ele muitos, todos criaturas de Deus, mas caídas porque se rebelaram e estão condenadas (Cf. Denz Sch 800-428); todo um mundo misterioso desbaratado por um drama desgraçado, do qual conhecemos muito pouco.
 
O semeador oculto dos erros
 
Entretanto conhecemos muitas coisas deste mundo diabólico, que se relacionam com nossa vida e com toda a história humana. O Demônio está na origem da primeira desgraça da humanidade; ele foi o tentador dissimulado e fatal do primeiro pecado, o pecado original (Gen 3; Sb 1,24). Daquela queda de Adão, o Demônio adquiriu um certo poder sobre o homem, do qual só a redenção de Cristo nos pode livrar. É história que perdura; recordemos os exorcismos do batismo e as freqüentes referências da Sagrada Escritura e da Liturgia à agressiva e opressora "potestade das trevas" (Lc 22,23; Col 1, 13).
 
É o inimigo número um, é o tentador por excelência. Sabemos por isto que este ser obscuro e perturbador existe verdadeiramente, e que com astúcia traidora atua; é o inimigo oculto que semeia erros e desventuras na história humana. Recordemos a parábola evangélica reveladora do grão bom e da cizânia, síntese e explicação do absurdo que sempre preside nossas vicissitudes contrastantes: Inimicus homo hoc fecit" (Mt 13,28). É "o homicida desde o princípio... e pai da mentira", como o define Cristo (Jn 8,44-45); é o instigador do equilíbrio moral do homem.
 
É o pérfido e astuto encantador, que sabe insinuar-se em nós, pela via dos sentidos, da fantasia, da concupiscência, da lógica utópica, ou de desordenados contatos sociais no jogo de nosso agir, para introduzir-nos desviações, tanto mais nocivas quanto conformes à aparência de nossas estruturas físicas ou psíquicas, ou de nossas instintivas e profundas aspirações.
 
Este tema sobre o Demônio e o influxo que ele exerce sobre os indivíduos, sobre as comunidades, sobre sociedades inteiras, sobre acontecimentos é um capítulo muito importante da Doutrina Católica que se deve estudar de novo, apesar de que hoje se lhe dá pouca importância.
 
Alguns pensam encontrar nos estudos psicanalíticos e psiquiátricos ou em experiências espiritistas - hoje por desgraça muito difundidas em alguns países - uma fundamentação suficiente. Teme-se recair em velhas teorias maniqueístas ou em pavorosas divagações fantásticas e supersticiosas. Hoje se prefere mostrar-se fortes e sem preconceitos, positivistas, exceto em dar sua fé a tantas gratuitas posturas mágicas ou populares, ou pior ainda, abrir a própria alma - a própria alma batizada, visitada tantas vezes pela presença eucarística e habitada pelo Espírito Santo! – às experiências licenciosas dos sentidos e aquelas deletérias dos estupefacientes, como também às seduções ideológicas dos erros de moda, fissuras estas através das quais o Maligno pode facilmente penetrar e alterar a mente humana.
 
Não está dito que todo pecado seja devido diretamente à ação diabólica (S. Th. 1,104,31) mas também é verdade que quem não vigia com certo rigor sobre si mesmo (Mt 12,45; Ef 6,11) se expõe ao influxo do "Mysterium iniquitatis", ao que São Paulo se refere (II Ts 2,3-12) e que faz problemática a alternativa de nossa salvação.
 
Nossa doutrina se torna incerta, obscurecida como está pelas próprias trevas que circundam ao Demônio. Mas nossa curiosidade, excitada pela certeza de sua existência múltipla, faz-se legítima com duas perguntas:
 
Quais são os sinais da presença diabólica e quais são os meios de defesa contra este tão insidioso perigo?
 
A presença da ação do Maligno
 
A resposta à primera pergunta impõe muita cautela, ainda que os sinais do Maligno parecem tão evidentes (Cf. Tertuliano, Apol 23). Podemos supor sua ação sinistra ali onde a negação de Deus é radical, sutil e absurda, onde a mentira se afirma hipócrita e potente, contra a verdade evidente, onde o amor se apagou devido a um egoísmo frio e cruel, onde o nome de Cristo é impugnado com ódio consciente e rebelde (1 Co 16,22; 12,3), onde o espírito do Evangelho é adulterado e desmentido, onde o desespero se afirma como a última palavra, etc. Mas é um diagnóstico muito amplo e difícil, que nós não nos atrevemos agora a aprofundar e autenticar, não por isso privado de dramático interesse, ao qual também a literatura moderna dedicou páginas famosas (cf. As obras de Bernanos, estudadas por Ch. Moeller Littér du XX siècle, I, Pag 397 ss; P. Macchi Il volto del male di Bernanos: satan; Études Carmélitaines, Desclée de Br. 1948)
 
O problema do mal aparece como um dos maiores e permanentes problemas para o espírito humano, inclusive depois da resposta vitoriosa que nos dá Jesus Cristo: "Nós sabemos que nascemos de Deus, e que todo o mundo foi posto sob o Maligno"(I João 5,19).

PE. RUFUS
 
Nossa defesa
 
À outra pergunta: Que defesa, que remédio por à ação do Demônio? A resposta é mais fácil de formular, mas é difícil levar à prática. Poderemos dizer: Todo o que nos defende do pecado, nos defende por isso mesmo do inimigo invisível. A graça é a defesa decisiva. A inocência assume um aspecto de fortaleza e depois cada um recorda o que a pedagogia apostólica havia simbolizado na armadura de um soldado, as virtudes que podem fazer invulnerável ao cristão (Rom l3,12; Ef 6,11.14.17; 1 Ts 5,8). O cristão deve ser militante, deve ser vigilante e forte (I Pe 5,8); e às vezes deve recorrer a algum exercício ascético especial para afastar certas incursões diabólicas; Jesus assim o ensina indicando o remédio “na oração e no jejum" (Mt 9,29 ). O Apóstolo sugere a linha mestra a ter em conta: "não os deixeis vencer pelo mal, antes vencer o mal com o bem" (Rom 12,21; Mt 13,29).
 
Com a certeza das adversidades presentes nas que hoje as almas, a Igreja e o mundo se encontram, nós buscamos dar sentido e eficácia à costumeira invocação de nossa principal oração: «Pai Nosso... livrai-nos do mal». A tudo isto ajuda também nossa benção apostólica.
 
* * *
 
N.B.
 
Referindo-se a outra reflexão, feita pelo Papa sobre o diabo, Michele Federico Sciacca, num artigo publicado em 7-fevereiro-1975 no jornal Il Tempo de Roma, com o título Satanás entre nós, escrevia:
 
"Mal foi ao Papa Paulo VI, faz algum tempo, por ter aludido ao diabo no sentido do Antigo e do Novo testamentos. Abra-se, inferno! Foi acusado de retorno ao Medieval, de obscurantismo, de superstição, de ofensa em pleno 1974 à ciência e ao espírito científico racionalista e progressista. Mas, em resumidas contas, este maldito Satanás vive ou não vive? Se se o considera de uma parte, seguindo o Evangelho, como o tentador e o acusador que encarna o mal, então dizem que é um atraso de obscurantistas crer em sua existência e afirmam que não existe; e por outra parte se se o identifica - e Satanás o repete - com a razão humana rebelde e triunfante, com a que sorridente e operante vive «na matéria que nunca dorme», então afirmam profeticamente que é o símbolo sublime de toda graça verdadeira e vitoriosa... daquele ex-Deus. Superstição obscura esta que procede da ciência iluminista, e portanto sutilmente mundana... Disto se deduz que estas afirmações procedem de uma mentalidade radicalmente perversa, (cf. Michele Federico Sciacca, il magnifico oggi. Roma Città Nuova 1976 P. 283 ss).
 
 
QUEDA-DE-BRAÇO COM O MALIGNO
 
 
A idéia deste escrito me veio de improviso numa tarde de agosto do ano passado de graça e de desgraças, 1974.
 
Foi assim: Desde há dois meses, talvez antes, quase todos os dias, às três da tarde em ponto, o Segundo Canal da RAI emitia um programa intitulado “Entrevistas impossíveis”.
 
Tratava-se de encontros entre literários, jornalistas e estudiosos de cultura variada com homens do passado: com personagens do pensamento, da arte, da política introduzidos bem ou mal na história, com nome mais ou menos famosos.
 
O programa era original e, se bem coincidisse com a hora da sesta, pus-me a segui-lo com curiosidade assídua.
 
Eram encontros - dizia - de homens de hoje com outros de ontem para interrogar-lhes, como se fossem, por não sei que classe de truque mediático, momentaneamente revividos, e fazer-lhes falar e dar explicações de alguns de seus atos e confessar suas intenções secretas, já obrigados a responder às perguntas, já postos na necessidade de justificar-se das coisas mal feitas de algum histórico.
 
O personagem entrevistado normalmente aparecia fielmente centrado no ambiente de seu tempo. As respostas se referiam à vida e ao pensamento que lhe caracterizaram. E quando os entrevistadores eram muito inteligentes - não sempre - em pouco mais de quinze minutos nos davam boas provas de habilidade mental com esboços de retratos histórico-psicológicos de uma feliz e muito vivaz finura.
 
Um depois do outro vinham interpelados, sem nenhuma ordem cronológica, Atila, Marat, Casanova, Marco Polo, Pitágoras, Copérnico, Bruto, Diderot, Swift, Marco Aurélio, Pilatos, Cleopatra, la Beatrice de Dante, etc., ainda que esta vilmente desfigurada.
 
Entre uma e outra audição me veio à mente uma observação muito extravagante:
 
“Falta uma entrevista com Satanás!... Seria interessante. Não obstante, hoje, com a habilidade que alcançou tal mestre para não fazer-nos crer nele..."
 
O calor daquela tarde era sufocante e me estirei sobre uma poltrona para recuperar-me um pouco do sono.
 
*  *  *
Na manhã seguinte, nada mais despertar-me: "Claro que uma entrevista com Satanás, ou melhor com o Maligno, seria fantástica! Que importa que tantos não creiam nele. E lembrei da fundamentação feita pelo Papa num de seus discursos da quarta-feira. Uma fantasia bem apresentada pelo menos alcançaria chamar a atenção sobre tal sujeito. Talvez também tirar o sono a mais de um".
 
Não pensei nisto durante certo tempo. Mas a idéia se apresentava intermitentemente e, às vezes, com estranhas linhas de algo factível. Se poderia, por exemplo, dizer isto... apresentar assim um episódio... introduzir este ou aquele outro aspecto... Pouco a pouco este se fez um tanto meu sofrimento.
 
Uma entrevista com o Maligno. Não pensava precisamente meter-me nela. Vejamos então a quem confiá-la. Comecei entre mim a dar nomes. Pus em mente a vários. Enquanto pensava nisto, um depois outro ia descartando.
 
Meter-se a dialogar com o diabo, ainda que só seja sobre o plano da fantasia, não é coisa fácil. Ninguém aceitaria uma idéia tão bizarra, e sobretudo, fora de época: Coisa da Idade Média!
 
Entretanto, o estranho era isto: quando pensava levar a sério esta idéia, sentia meu ânimo abrir-se à serenidade e a coisa interessante. Pelo contrário quando me propunha não fazer nada, sentia-me inquieto e caía num estranho nervosismo. Havia em mim algo que colocar para fora, como uma liberação.
 
Em minha vida foi a primeira vez que tive a suspeita de ter necessidade de um neurólogo.
 
Uma tarde fui, como que obrigado por não sei que, a uma igreja, onde é venerada uma Virgem muito querida pelo povo romano, e a encontrei, como coisa rara, muito cheia de gente.
 
Aconteceu algo incrível. Apenas passada a porta, aproximou-se uma mulher de meia idade, de baixa estatura, com dois olhos luminosíssimos e doces, e de repente me disse: "Quando se decide a escrever aquelas coisas?..." E me olhava com insistência.
 
“Escrever? Que coisas?”
 
“Deixa disso, você sabe melhor que eu".
 
“Mas você quem é?”
 
“Que interessa dizer-lhe quem sou? Vá ver Aquela - e indicou o quadro da Virgem – Vá ouvir o que Ela quer dizer-lhe."
 
Um numeroso e compacto grupo de turistas invadiu naquele momento a entrada. A mulher foi envolta na confusão e a perdi de vista. Que coisa tão estranha! Uma alucinação ou um aviso do céu? Senti-me perdido e ridículo, sobretudo ridículo.
 
Encontrado uma posição adequada, antes de por-me aos pés da Virgem para rezar-lhe, aquela vergonha minha interna desapareceu como se fosse nada. Sem voltar a pensar no sofrimento que me molestava, experimentei dentro de mim como um empurrão dulcíssimo e firme a recolher-me no argumento para começar a fazer qualquer coisa.
 
Olhando a querida imagem, não me atrevi a pedir-lhe nada sobre isto, pois já advertia em mim uma promessa de assistência materna.
 
"Está bem, disse saindo. Embarcarei neste assunto. Eu mesmo escreverei esta estranhíssima entrevista. Sairá algo que me cobrirá sobretudo do ridículo. Mas terei tirado uma idéia fixa da cabeça".

PRIMEIRO ENCONTRO

Naquela mesma tarde, depois de um jantar rápido e sem apetite, retirei-me ao meu quarto para verificar um pouco a correspondência.

Depois de meia hora, pus-me a recitar a última parte da "Liturgia das horas». Fiz devotamente o sinal da Cruz e comecei:

'Jesus, luz da luz, - sol sem ocaso, -tu iluminas as trevas, - na noite dol mundo,- Em Ti, Santo Senhor - buscamos descanso- da fadiga humana, - ao fim do dia"...

Notei desta vez, que quanto mais ia adiante, mais crescia em mim o desejo de atrasar aquela oração habitual. Sentidos e gostos novos fluíam daquelas palavras antigas e simples.

Ao final, beijei o breviário e coloquei-o à parte. E agora que faço? Algumas vezes tomo notas rápidas em meu diário; tentei fazê-lo mas logo me passou a vontade.

Voltando-me, meu olhar se encontrou com a imagem da Virgem, ante a qual aquela tarde havia ido a orar. Tive desejos de entreter-me com Ela e, apanhado o rosário do bolso, fiz o sinal da cruz. As Ave Maria me pareciam dulcíssimas como se entrasse em contato com Ela. Não tinha terminado ainda a primeira dezena, e já me encontrava sentado e com a caneta na mão. Coisa estranha? Para fazer o quê? Um bloco de papel estava ali sobre a mesa: Começar a escrever algo sobre aquela diabrura? Não pensava nisto de maneira alguma. Não tinha nada concreto em minha cabeça e a imaginação não parecia ajudar-me.

Para fazer qualquer coisa, peguei o bloco de papel e escrevi no alto: «Entrevista com Satanás". Não, corrigi. Melhor dizer: «com o Maligno". Este segundo apelativo é menos comum e de um sentido mais imediato. E permaneci com a caneta no ar.

Naquele mesmo instante, senti ao longo da coluna vertebral uma repentina tremedeira de frio que imediatamente me envolveu por inteiro.

Ao lado da escrivaninha, à esquerda, a janela estava completamente aberta, instintivamente me levantei para fechá-la. Senti, entretanto, que de fora vinha um ar quente. Era a tarde de uma jornada calorosa de setembro.

Enquanto tocava a face e a testa, olhando se tinha sintomas de febre, um golpe de frio me atravessou e tive uma estranha sensação de medo. Sentei-me, permaneci um pouco pensativo, depois tentei deitar na cama. Não consegui mover-me. Sentia-me pregado à escrivaninha, não porque alguém me forçasse, sim por uma sensação de inércia total: uma espécie de torpor.

Invoquei mentalmente a Virgem que me olhava a uns metros de distância da parede e senti um instante imprevisto de paz.

Enquanto em meu interior dava graças à Mãe Celestial, a cadeira, a escrivaninha, quase todo o quarto, sofreram um sobressalto misterioso.

"Você pediu para entrevistar-me, aqui estou.”

Era uma voz cavernosa, áspera, metálica. Uma voz que não soube precisar de que ponto vinha, mas que desencadeou em mim um grande e forte calafrio de medo. Permaneci alguns minutos sem respiração, depois recuperei as forças.

“Mas quem é?"

“Não seja burro, sou eu!"

Não havia pensado nunca de poder passar com minha entrevista do plano da imaginação ao de um cara a cara com o Maligno.

Num ângulo da escrivaninha havia um rosário e instintivamente o peguei como se fosse uma arma de defesa,

"Joga fora esta besteira, se quiser falar comigo!”

“Besteira?..."

"Excrementos de cabra colocados juntos!”

Se para você é uma besteira, eu o beijo e para seu desprezo o enrolo ao redor do meu pulso, como defesa. Vejo que lhe dá medo, velhaco!

Isto para mim é uma guilhotina!...

“Melhor ainda, e obrigado por ter-me dito!”

Tentei muitas vezes explicar-me como percebi aquela voz tão próxima, que não vinha de nenhum ponto preciso do quarto nem saía de meu interior. Entretanto, compreendia-a claramente, sempre num tom ameaçador, desdenhoso e carregado de uma raiva especial.

“Como é que você veio? Quem lhe envia?”

"Fui obrigado".

“Por quem?” Seguiu um silêncio tenso.

“Vamos, obrigado por quem?”

“Por aquela!”

“Gritou esta resposta com um desprezo e com um ódio indescritível."

“Quem é ela?" Entretanto, havia compreendido.

“Não direi seu nome jamais!”

“Te queima tanto?”

"Odeio-a infinitamente!"

“Porque é a criatura mais elevada e mais santa…”

Mastigando as palavras com raiva: "Ele quis assim para meu desprezo, para que fosse minha mais esmagadora humilhação!”

Fiquei aturdido. “Como é possível? É o pai da mentira e diz uma verdade tão grande? Não se dá conta que este é um louvor imenso?”

Minha pergunta ficou sem resposta. Desta vez foi tudo.

SEGUNDO ENCONTRO

Passaram-se alguns dias sem que nada de novo acontecesse. Não sabia o que pensar. Não tinha a coragem de invocar a volta de um interlocutor tão singular. Aquele primeiro encontro havia deixado mais de uma pergunta no ar. Mas foi cortado no melhor. Aquela última resposta, entretanto, tão inesperada, deixou-me numa alegria grande.

Uma manha, apenas havia terminado de celebrar a Missa, tive um desejo insólito de ir rapidamente para casa. Empurrava-me o estranho indício de algo não costumeiro.

«Aquele mensageiro deve estar já aqui, pensei. Correto, eis aqui os costumeiros calafrios de frio gelado. Não havia me enganado.

Sentei-me, invoquei mentalmente a Virgem e esperei.

"Estou aqui. Que mais você quer perguntar-me?".

Parece que aquele ser tenebroso houvesse sido posto a minha disposição.

“Antes de mais nada, devo agradecer-lhe o grande elogio que na última vez você fez à Virgem. Impressionou-me muito sua resposta. E ainda não chego a explicar-me como se lhe pôde escapar”.

“É ela que me obriga a falar assim, entende? Ela me obriga. Fá-lo para contentar-lhe e para humilhar-me. Mas você – lembre-se - me pagará. Você não chega a compreender jamais que tortura é para mim ter de obedecê-la obrigando-me a dizer certas verdades. Eu odeio a verdade, porque a verdade é Ele, entende? Você permanece horrorizado ante os tormentos aos que tantos subalternos meus submetem seus condenados políticos, recorrendo à pílula da verdade, à lavagem cerebral - todos são invenções minhas, para que saiba - para levá-los à auto-crítica e a arrancar-lhes suas confissões preestabelecidas. Pior é o suplício ao que sou submetido por aquela para levar-me a cuspir-lhe na cara certas verdades. Por isto, repito-lhe que você me pagará”.

"Obrigado também por isto que me diz; mas se Ela está comigo, você não me dá medo”.

“Disse-lhe que você me pagará".

"Certo. Mas continua falando-me dEla".

"É minha inimiga mais implacável".

“Acredito: É a Mulher destinada a dar-nos Jesus, nosso Redentor, o reparador de todas suas maldades, especialmente por haver-nos dado o pecado e a morte. E Ela, por virtude de seu Filho, para sua humilhação, venceu tudo isto".

Um grande silêncio de espera.

“Compreendo que não tenha muito desejo de falar de Maria. Você é infinitamente soberbo e a recordação dEla é muito humilhante para você. Disseste bem, é sua maior humilhação. Mas, em nome dEla, responde. Você creu ter obtido uma vitória plena arrebatando-nos a nossa mãe Eva? Nem sequer suspeitava que Deus lhe teria vencido com Maria? Uma Mãe infinitamente maior que a que nos arrebataste e com a qual nos mandaste à ruína. Deus nos deu Maria e a fez Sua Mãe".

"Mas por que se empenha tanto em falar-me daquela? Para já!”

“Exatamente porque lhe aborrece tanto...”

“É uma terrível destruidora de meus planos. É uma devastadora de meu reino. Não me deixa conseguir uma vitória e já me prepara uma derrota. Está sempre em meu caminho. Sempre ocupada em atravessar meu caminho, a suscitar fanáticos que a ajudem a arrebatar-me almas. Ali onde mais clamorosas são minhas conquistas, num silêncio capilar ela multiplica as suas. Mas agora chegou o tempo em que obterei sobre ela vitórias jamais vistas...”

"Efêmeras como as demais!”

* * *

Ainda um breve silêncio.

“Não serão efêmeras!... Desta vez será uma vitória total. Acreditava estar seguro numa fortaleza inalcançável. Agora abri-lhes uma brecha que será pior do que a primeira!...”

“Que brecha? Penso que corre muito. Está muito seguro de si mesmo".

“Tenho de minha parte também os teólogos. Os meus vaidosíssimos doutores. Se eu fosse capaz de amar, seriam meus amigos mais queridos. Seus cultivadores do dogma vão abandonando suas posições uma depois da outra. Induzi-os a se envergonhar de certas fórmulas ridículas. A envergonhar-se antes de nada de crer em minha existência e em meu trabalho no meio de vocês: Coisa para mim comodíssima".

"E você conta com isto?

«Deste modo, as fábulas da Imaculada Conceição, da Maternidade Divina, da sempre Virgem, da onipotente cheia de graça estão sendo desmoronadas como miseráveis disparates. Dentro de poucos anos ficará só a recordação – vergonhosa recordação - de lendas tão bobas. Muito tive que esperar mas agora chegou finalmente meu tempo. Definitivamente chegou minha hora! Se soubesse o bem que trabalham meus aliados: padres, freis, doutores!... Onde estão agora os fanáticos de seu culto, seus simpatizantes fervorosos?”

* * *

Parecia que tivesse ido embora. Mas estava ali, talvez à espera de minha reação.

“Eu sei: você conseguiu reunir em torno de tantas verdades do Credo uma poeirada irrespirável cheia de confusão. Acredita suprimir o sol só porque o escondeu detrás de muitas nuvens. Mas tudo isto passará. Bastará um sopro do Onipotente para destruir tudo o que você está construindo. Um sopro só e Deus, em sua Providência, também de novo tirará o bem do mal. Inclusive destas confusões saberá fazer brilhar a verdade ainda mais esplêndida”.

"Não se iluda".

"Sei que não me engano. A fé me diz. Nem você mesmo, eterno mentiroso, crê nesta vitória final”.

Você se agita porque sabe que Deus tem medido o tempo no qual, para seus desígnios, deixa-lhe exagerar. Você sabe que o mais poderoso é Ele. Ele tem adiante de Si a eternidade. Num instante lhe arrebatará da mão suas vitórias momentâneas. Você é o eterno fanfarrão ridículo. Você se crê onipotente, melhor ainda quer fazer você mesmo crer, mas basta um sinal da cruz para por-lhe em fuga, basta um pouco de água benta para paralisar sua onipotência. A parábola do grão e da cizânia foi dita sobretudo para você. Você é simplesmente ridículo em suas gabações. Você é um pobre cão atado a sua corrente. Você não pode nada além do que lhe permite Deus. Permite-lhe para provar aos seus eleitos no tempo, e derrotar-lhe para toda a eternidade”.

“Que eloqüente você é! Fez uma bela pregação para os papagaios da paróquia. Você reúne palavras, eu conto fatos".

“Estou apenas revelando sua mentira. Sua história terminará como começou. Você tem a estúpida presunção de crer-se semelhante a Deus. Rebelou-se e Deus naquele mesmo instante, com um sopro precipitou a você e aos seus nos abismos infernais. Bastou um movimento de Sua vontade para fulminar-lhes a todos, para transformar-lhes de anjos em horríveis demônios".

“Ainda um pouco de pregação.”

"Você sabe bem que não é pregação. É um fato tremendo. Como tremendo é o inferno no qual você se precipitou... A propósito: Que é o inferno?..."

Um silêncio triste como um pesadelo.

“Em nome dEla, responde, fala-me do inferno".

“Impossível dizer-lhe".

“Prova”.

“Nem sequer ela mesma, em Fátima, soube explicá-lo”.

Como? Aqueles pobres meninos por pouco não morreram de pavor!

"O que viram... o inferno é bem diferente... Contente-se com isto.”

* * *

Também desta vez tive a suspeita de que se tivesse ido. De maneira estranha me advertiu que se encontrava ali.

“Desgraçado! Você era um anjo. Deus lhe criou riquíssimo de dons e de belezas divinas. Tinha a inteligência dos espíritos eleitos. É inconcebível como você e os seus possam atrever-se a um pecado tão estúpido de rebeldia. Como tentar apropriar-se do que não era seu? Responde!”.

“Porque quis submeter-nos a uma prova infinitamente humilhante para nós, espíritos altíssimos. Uma prova inimaginável, digna só de uma revolta”.

“Que prova?"

De novo um silêncio carreado de mistério. "Vamos, em nome dEla que te obrigou a vir, responde. Que prova?".

"Impôs-nos um ofício muito humilhante e inaceitável. Pôs-nos em frente ao desenho da criação do mundo material, de todo o cosmos, por cima do qual criou também a vocês os homens com o propósito de elevá-los à mesma dignidade a que nos havia elevado, e para cúmulo de tudo, o que fez desencadear nossa revolta… pôs-nos diante da encarnação do Filho, feito homem, revestido de uma natureza inferior à nossa, e impôs-nos adorá-Lo. Nossa inteligência se assombrou. Milhões de anjos se submeteram vilmente a Ele. Muitíssimos de nós, vimos isso como uma afronta a nossa dignidade e nos rebelamos. O castigo explodiu de imediato. Nós não queremos aceitar nossa condição de criaturas, de ter necessidade dEle, de estar submetidos a Ele. Acreditamo-nos auto-suficientes - e éramos - de nós mesmos... Naquela recusa nosso gesto é de revolta... E num momento nos encontramos como somos. Sua sentença foi sem apelação". Tampouco nos houvéssemos submetido a Sua vontade.

“E não era um pecado gravíssimo de rebeldia?”

Um «Nãooo…” tenebroso, longo, cavernoso, de gelar o sangue, ressoou um bom tempo no além. Compreendi que havia desaparecido, deixando atrás um fracasso que parece o estrondo de uma avalanche. Tudo o que estava firme tremeu. Saí ao corredor olhando se alguém tivesse percebido algo. Nada. Não vi ninguém.

Aarão observa: Aqui, para mim, uma faceta nova do motivo da rebelião: a negativa dos anjos de adorarem a um Deus feito homem. De certa forma, eles se submetiam ao Deus, mas jamais ao homem o que consideravam humilhação suprema. Entretanto, aqui se pode notar bem o germe da rebeldia. Na realidade, no íntimo de cada um, todos os anjos que se rebelaram já eram rebeldes. Já se julgavam, superiores, já eram orgulhosos. Então a revelação deste plano de Deus, apenas veio acender o estopim da revolta.

A situação, é mais ou menos como a de hoje. Vejam, os anjos julgavam não precisar de Deus. Achavam-se auto-suficientes. Os homens do nosso tempo também: eles acham que não precisam de Deus, e há uma grande revolta no ar. Que assim, espelhando-se no que aconteceu com os demônios, as pessoas se dêem conta de sua mísera realidade. Eles podem se rebelar contra seu Criador, mas que não esperem misericórdia dele, se virem a se obstinar no orgulho até no fim.

Uma outra revelação que me impressionou foi a de que eles, espíritos altíssimos, ao se tornarem demônios deixaram lugar para que nós homens os ocupássemos. Na mesma condição de igualdade. E como vemos e sabemos do poder dos anjos, conseguimos então imaginar as maravilhas que Deus nos tem preparado, em seu amor. Basta que sejamos humildes, submissos, embora não escravos, e sim livres no amor. Porque o amor não é de escravidão jamais, é sim a única força libertadora que existe. Foi isso que os anjos maus, tão inteligentíssimos seres, não conseguiram perceber. Como pode uma coisa assim? Só por orgulho.

Por fim, lembro das bravatas dele, dizendo que vai vencer, mas isso nem ele acredita. Pois como disse, se uma humilde criatura como Maria os quebranta e oprime, óbvio é que compreendem antecipadamente sua derrota. Eles irão até o fim, sim, por ódio, mas isso de nada adiantará. Quanto maior o ódio deles, mais os homens entenderão o Amor do Deus que os salvou. Hoje tudo parece perdido! Amanhã tudo isso se reverterá!

TERCEIRO ENCONTRO

 
Desta vez não se fez esperar muito. Na noite seguinte, estava para meter-me na cama, quando ouvi rumores estranhos no quarto. Eram passos fortes, quase surdos que faziam vibrar o pavimento. Advertida sua presença, agarrei o rosário, fiz o sinal da cruz, invocando mentalmente a Virgem que estava junto a mim, ao lado da cama, e esperei.
 
"Sinto que você está aqui. Bem, em nome dEla, que te obriga a vir e a responder-me, diga-me: imediatamente depois de seu grande pecado, você se deu conta de tudo o que havia perdido para sempre?”
 
“Que pergunta tão estúpida!”
 
"Obrigado, você é muito gentil. Sei muito bem que minha inteligência não se pode comparar com a sua. Por isso permita-me uma pergunta ainda mais idiota: Jamais se arrependeu daquele pecado?”
 
"Arrependimento?”, a resposta surgiu de imediato, como um rugido de besta.
 
"Mas não sabe que um ato de arrependimento teria sido um ato de amor? E isto é totalmente inconcebível em nós. Nós fomos imediatamente investidos de um ódio imenso contra Ele. Um ódio implacável, eterno. Encontramo-nos envoltos, quase petrificados, numa maldição que chegou a ser nossa segunda natureza.“
 
Tranqüilamente tivesse querido concentrar a reflexão sobre a desgraça irreparável de milhares de criaturas tão excelsas, mas o outro me interrompeu.
 
“Depois de haver-nos expulsado de seu paraíso, vingou-se destinando a nosso estado aos seres mais nauseabundos, vocês os homens, um amassado de espírito e de matéria suja. Fez de vocês um objeto de seu amor infinito. Vai mendigando de vocês o amor que nós lhe havíamos recusado. O amor por vocês lhe fez cometer loucuras, até humilhar ao Filho no ventre de uma mulher. Tem a ambição de ocupar com vocês os postos que nós deixamos vazios. Mas antes que alcance isto, encheremos nosso inferno com vocês os homens. A vingança que não podemos realizar sobre Ele, a faremos com vocês. “
 
"Isso é o que você sonha. Mas entre nós e você, sobre o vértice de seu abismo infernal está Cristo Crucificado, você terá só aqueles que obstinadamente queiram permanecer ao seu lado. Todos os demais, também os pecadores, também os pobres infiéis, lhe serão arrancados como presa que não lhe pertence, porque não são suas. Ele as pagou com o preço de Seu Sangue e são seus. Nego-me a crer que finalmente você tenha mais que Ele!”
 
*  *  *
 
Houve uma pausa mais longa. Tive a sensação de que quisera agredir-me com um discurso, e de fato, pasSou imediatamente ao ataque.
 
"Diz que Ele terá mais que eu?... Mas é que não vê, cego e estúpido como é, que hoje estou mobilizando tudo para sua ruína? Não vê que seu reino se desmorona e que o meu se engrandece dia a dia sobre as ruínas do seu? Prova a fazer um balanço entre seus seguidores e os meus, entre aqueles que crêem em suas verdades e os que seguem minhas doutrinas, entre os que observam sua lei e os que abraçam a minha. Pensa somente no progresso que estou fazendo por meio do materialismo ateu e militante, que é a recusa total a Ele!”
 
Ainda um pouco mais de tempo e todo o mundo cairá em adoração diante de mim. O mundo será completamente meu.
 
"Pensa nas devastações que estou levando ao meio de vocês, servindo-me principalmente de seus ministros. Desencadeei em seu rebanho um espírito de confusão e de rebelião que jamais até hoje havia alcançado obter. Tens a seu guardião de ovelhas, vestido de branco, que todos os dias fala, grita, conversa inutilmente. Quem o escuta? Posso fazê-lo calar imediatamente apenas queira, num momento posso eliminá-lo; basta que arme a mão de um emissário meu”.
 
Todo mundo escuta minhas mensagens, as aplaude e as segue. Tudo está de minha parte. Tenho as cátedras com as quais pus em cheque a sua filosofia. Tenho comigo a política que os desagrega. Tenho o ódio de classes que os fere. Tenho os interesses terrenos, o ideal de um paraíso na terra que os enfrenta uns com outros. Meti-lhes no corpo uma sede de dinheiro e de prazeres que os faz enlouquecer e que os está reduzindo a ser um tropel de assassinos.
 
"Desencadeei no seu meio, uma sexualidade que está fazendo de vocês um grupo exterminado de porcos. Tenho a droga que logo os converterá numa massa de miseráveis larvas de loucos e moribundos. Levei-os a adotar o divórcio para reduzir a fragmentos suas famílias. Levei-os a praticar o aborto com o que causo matanças de homens, antes que nasçam”.
 
"Todos anjos destinados ao céu!"
 
"Mas lhe parece pouco ter convertido as mulheres, as mães, em piores que as bestas; induzi-as a matar seus filhos, coisa que nem as bestas fazem!”
 
“Tudo o que pode destruí-los eu tento, e obtenho o que quero: injustiças a todos os níveis para tê-los num contínuo estado de desesperação; guerras em cadeia que destroem tudo e os levam ao sacrifício como as ovelhas; e junto a isto a desesperação não saber livrá-los das calamidades com as que eu tenho que levá-los à destruição. Conheço até onde chega a estupidez de vocês os homens e a aproveito completamente”
 
“A redenção Daquele que se fez matar por vocês, bestas, eu a substituí pela dos governantes assassinos, e vocês se lançam em seu seguimento como ovelhas estupidíssimas. Com as promessas de bem que lhes fiz e que não obtereis nunca, alcancei cegá-los, fazê-los perder a cabeça, até levá-los facilmente onde quero. Lembre que eu os odeio infinitamente, como odeio a Ele que os criou. Sim, haja favor que lhes fez, enviando seu Filho a desperdiçar seu Sangue pela ditosa Redenção. Eu os odeio, desprezo-os!”
 
*  *  *
 
“E com isto?”
 
“Que quer dizer? Não é suficiente? Posso continuar, se crês...”
 
“Com tudo isto crê poder cantar vitória contra Deus? Você seria o grande vencedor e Deus o grande derrotado? Não nego que está trabalhando talvez como nunca, que agora vai obtendo seguidores mais que no passado, mas em seus desenhos é um habilíssimo enchedor de balões. Já lhe disse que sua história concluirá como começou. Nossa atenção vai ao final de tudo isto. Então, teve num instante muitíssimos seguidores. Mas como terminou seu gesto de rebelião? Tirou Deus do trono de sua glória?"
 
“Ainda se engana? Não compreendeu nada do que lhe mostrei?”
 
“Você é o tal! Todas estas fanfarronadas suas podem impressionar a um homem de pouca fé, não a quem crê firmemente que Deus é Deus e você é um miserável rebelde, uma criatura sua, que Ele poderia destruir com um sopro, num só instante, mas que não o fará jamais. Tem podido enganar a milhões de homens para que não creiam em Deus, mas você sabe que Ele existe, que Ele é o Onipotente, que tem em sua mão o destino dos homens e da história. Quis travar a guerra contra Ele e lhe está deixando obter alguns resultados, inclusive momentaneamente espetaculares Mas sabe bem que seu poder está condicionado a sua onipotência e a vitória final será só dEle!”
 
"Ao contrário, será minha!”
 
“Mentiroso, nem você mesmo se crê, porque sabe bem com quem se meteu. Lembra a lição da Sexta-feira Santa. Trabalhou bem esse dia. Por meio de seus satélites se apoderou de Jesus e chegou a fazê-lo matar. Mas, na cegueira de seu ódio, não se deu conta que aquela morte foi vitória dEle ao querê-la e você foi um instrumento submetido. Acreditava tê-lo liquidado para sempre. Entretanto, o vencido foi você. Ele ressuscitou ao terceiro dia, vencedor da morte e do pecado. Vencedor sobre você e sobre todo seu inferno!”
 
*  *  *
 
“O mistério pascal o venceu de uma vez para sempre. Entretanto, renova-se, ao longo dos séculos na vida da Igreja e das almas, num enfrentamento ininterrupto de lutas, de morte e de ressurreição. Mas o triunfo do Reino de Deus aqui não se anuncia com as fanfarronadas, anuncia-se, progride e resiste aos ataques com o mistério divino do silêncio”.
 
“Os costumeiros velhos discursos de oratória…”
 
“Sabe que isto não é oratória. Na manhã que ressuscitou, Jesus não teve nenhuma preocupação por vingar-se de seus inimigos, de seus malfeitores. Não teve nenhum desejo de humilhá-los, como Ele teria podido fazer e como algum poderia ter esperado. Com uma demonstração espetacular e fulgurante de seu triunfo sobre a morte, teria podido aparecer ante o Sinédrio, ante Pilatos, ante Herodes, ante quantos lhe humilharam e lhe deram a morte... Não foi gritar-lhes na cara: "Eis aqui vossa vitória!" Pelo contrário, Sua Majestade infinita está muito por cima desse tipo de satisfação triunfalista, não lhe preocuparam seus inimigos. Não pensou em refazer sua reputação ante eles”.
 
"Ele inaugurava um estilo próprio. Dava exemplo de como se realiza seu triunfo nesta terra, de como procede a sua Igreja em meio dos homens e ao longo dos tempos: Um caminho extenuante, duro, sem barulho. Ela vai adiante no silêncio, coberta continuamente de feridas, rodeada de mártires que são seus testemunhos incomparáveis. Obrigada muitas vezes a refugiar-se nas catacumbas; mas tudo isto já se havia anunciado e isso é o que a faz mais semelhante ao seu Chefe".
 
“Palavras, palavras, palavras! Não se dá conta de que tenho em minha mão todas as forças do mal?... Não vê como as mobilizei compactas contra o reino dEle?... Minha ofensiva avança já incontível!".
 
“Até quando? Você se crê o dono da situação. Apresenta-se como o senhor e o dominador do mundo. E apenas é o executor dos planos dEle. Você colabora só para a grandeza de Sua vitória final. Como tantas vezes no passado, também hoje, a Igreja tem necessidade de ser purificada. Para isto servem as provas. Ele não arranca sua vinha, poda-a. A atual ação de obstáculo que você e seus satélites têm desencadeado no seio do povo de Deus serve para isto, para purificá-lo. Os atuais logros aparentes de sua obra de sedução e de desordem servem a Ele para seus planos. Ao final, tudo se voltará contra você e estará definitivamente vencido”.
 
     Aarão observa: definitivamente se pode ver aqui o quanto satanás é amarrado e quanto sua fraqueza é fragrante. O simples fato de a Mulher, Maria, o subjugar e mandar que ele fale a verdade para alertar o povo insano, é prova de que ele não tem poder algum, apenas permissão de Deus para agir. Mas sua ação pérfida e maligna é sempre canalizada por Deus para uma obra de salvação, para benefício e crescimento dos homens.
 
     Como ele dirá, não ganha nada com a perda das almas, apenas aumenta sua solidão eterna, seu martírio. Mesmo sabendo que perderá, ele jamais aceita este fato, e entra em desespero quando é lembrado desta circunstância. Seu brutal orgulho não o deixa ver a realidade, então se atira com toda fúria insana contra os filhos de Deus, uma vez que não pode atingir diretamente ao próprio Deus. E sabendo disso – que não pode atingir a Deus – já o deveria fazer entender que jamais o suplantará.
 
     Isso explica o motivo pelo qual os nossos números de perda eterna são tão baixos. E vai nos dizer claramente no final que, com todo este maldito trabalho das trevas, jamais satã conseguiu ou conseguirá atrair uma só alma, e leva-la a perda, porque todos os que se perdem, assim o fariam, sem a presença, sem a atuação maligna do diabo. Não perdi a nenhum daqueles que me deste, disse Jesus. Isso explica tudo. Imaginem o desespero dos anjos caídos, imaginem a fúria, o ódio e o orgulho ferido de Lúcifer em não conseguir nenhum súdito, nenhum adorador sequer, por causa de seus “belos olhos”.
 
     Porque, na realidade, para que alguém adore, é preciso que antes AME. E Amor é uma palavra que não entra no inferno. Lá o amor é impossível, por isso também a adoração se torna impossível, e somente se submeterão à fera maldita, aqueles que são réprobos por natureza – como os anjos o foram – aqueles que decidiram desde a centelha de sua criação ser inimigos de Deus.
 
     A estes o reino maldito, o reino do ódio. Lá adorar impossível. Lúcifer não terá um só adorador na eternidade. Os que hoje o adoram na terra, é porque não sabem quem ele é, não sabem o que fazem. Quando souberem só irão odiá-lo, e assim para sempre. Esta solidão infinita será um tormento para aquela criatura má e repugnante. Tanto lutou para se fazer adorar, e somente se fez odiar. Tudo fez para destruir, e apenas construiu para Deus. Tudo fez para levar os homens a perda, e não conseguiu fazer perder um só.
 
     Isso nos prova em definitivo, que o mal não tem espaço no universo. O mal é uma realidade que jamais poderá ser eterna, porque ele age apenas para a ruína. Eis porquê o reino de Lúcifer definha em si mesmo, e morre sem ter nascido. Ele próprio o destrói! Eis o “motu perpétuo” do ódio, que se destrói na malignidade, e terminará quando Lúcifer e os seus forem encarcerados numa prisão eterna, o lago de fogo e enxofre, e para sempre.

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