SANTOS E MARIA

Os Santos, Maria, Imagens e Idolatria


Os Santos, Maria, Imagens e Idolatria
alguns esclarecimentos...
1. Apresentação.
Entre os dias 17 e 30 de outubro de 1717, no rio Paraíba, apareceu, isto é, foi achada por três
pescadores, uma pequena imagem de Nossa Senhora da Conceição, que se tornou objeto de devoção do
povo daquela região. O nome popular dado à imagem pelo povo foi “Nossa Senhora Aparecida”.
A devoção a Nossa Senhora Aparecida se espalhou pelo Brasil atraindo peregrinos de todos os
recantos da Pátria. Em 1917 a imagem foi coroada solenemente no jubileu de 200 anos do seu encontro.
Em 1930 a Senhora da Conceição, com o título de Aparecida, foi declarada Padroeira do Brasil.
O povo desde cedo percebeu que a devoção Mariana, mais que rezar à Maria, consiste em rezar
com Maria. Ela faz parte do Evangelho e toma parte no mistério da encarnação do Filho de Deus como
serva, na qual se cumpre a vontade de Deus. Em seu santuário na cidade de Aparecida, SP, a afluência
do povo nunca cessou e o povo brasileiro ali recorda os benefícios recebidos com a invocação da Mãe de
Deus.
Nossa Arquidiocese de Campinas, cuja padroeira é Nossa Senhora da Conceição, celebra com
devoção esta data de 12 de outubro a ela dedicada em nosso calendário litúrgico.
Este texto que hoje colocamos em tuas mãos, foi elaborado pelo Cônego Pedro Carlos Cipolini,
Padre de nosso clero, Doutor em Teologia e Professor Titular na PUC-Campinas, por solicitação da
Coordenação Colegiada de Pastoral da Arquidiocese.
A todos que trabalham para esta festa de Nossa Senhora e aos fiéis que dela participam meu
agradecimento e minha bênção.
+ Dom Bruno Gamberini
Arcebispo Metropolitano de Campinas
2. Na comunhão dos Santos louvamos Maria, a Mãe de Jesus.
Devoção aos Santos
A Bíblia nos ensina que Deus é três vezes santo, só ele é santo. Deus, porém, comunica a santidade,
é um Deus santificador e deseja um povo santo: “Sede santos, porque eu, Javé, sou santo” (Levítico
19,2;20,26). A santidade de Jesus é idêntica à de seu Pai Santo (João 17,11). Jesus santifica os cristãos,
o Espírito Santo é o agente santificador dos cristãos. Jesus vai recomendar: “Sede perfeitos como vosso
Pai celeste é perfeito” (Mateus 5,48). Portanto, a santidade é vocação de todo cristão: “A vontade de
Deus é esta: a vossa santificação” (1Tesssalonicenses 4,3).
Ser santo é cumprir a vontade de Deus em nossa vida. Santos são, portanto, todos aqueles que
vivem o Evangelho e de forma toda especial os que já se encontram hoje na casa do Pai. Os santos não
ocupam o lugar de Deus, não são inventados pelos homens, não são deuses, mas criaturas de Deus, a
quem Deus privilegiou com um amor especial e viu este amor ser correspondido. Eles só são
reconhecidos como santos porque foram amigos íntimos do único Deus que os santificou. Os santos são
heróis da fé vivida no amor, fé no único Deus verdadeiro, o Deus revelado em Jesus Cristo.
Nenhum católico adora os santos, mas os respeita e venera como amigos de Deus. Este respeito e
veneração vêm da fé na ressurreição, pois os que morrem no Senhor estão com Ele. Vem da fé na
“comunhão dos santos”: os santos intercedem por nós diante de Deus. A Bíblia nos mostra que Deus
opera milagres pela intercessão dos santos. Um exemplo é a cura do coxo de nascença operada por são
Pedro e são João junto à porta do Templo: “Não tenho nem ouro nem prata, mas o que tenho isto te dou.
Em nome de Jesus Cristo Nazareno levanta-te e anda” (Atos 3,1-9). E a Bíblia apresenta outros inúmeros
exemplos afirmando que “Deus fazia não poucos prodígios por meio de Paulo” (Atos 19,11-12). Jesus é
nosso único mediador entre Deus e os Homens e Ele disse: “O Pai dará a vocês tudo o que pedirdes em
meu nome” (João 15,16).
Um santo só opera em nome de Jesus porque só em Jesus está a fonte da graça e da força de Deus.
Os santos não estão em oposição ao Senhor. Ao contrário, colocam em evidência a glória e santidade de
Jesus Cristo, cabeça da Igreja e nosso único salvador. Pois foi Jesus mesmo quem afirmou: “Eu garanto a
vocês: quem crer em mim, fará as obras que eu faço, e fará maiores do que estas, porque eu vou para o
Pai” (João 14,12). Ninguém pode ser santificado sem entregar sua vida por Jesus e pelos irmãos. Honrar
um santo significa reconhecer a força transformadora da Palavra de Deus que santifica quem a aceita e
coloca em prática.
O santo é para os cristãos um exemplo de quem testemunhou sua fé no seguimento de Jesus. Nós
católicos temos a alegria de abrir nosso álbum de família - a nossa família na fé - e contemplarmos uma
fileira de heróis na fé, os santos, nossos irmãos e amigos que conseguiram servir a Deus com fidelidade e
junto de Deus pedem por nós.
Santos e santas, rogai a Deus por nós!
Devoção a Maria, Mãe de Deus
Entre os santos de Deus está em primeiro lugar Maria, a mãe de Jesus (Mateus 2,1; Marcos 3,32;
Lucas 2,48; João 19,25). É, portanto, com a Bíblia na mão que louvamos Maria chamando-a de bemaventurada.
Nós cristãos católicos veneramos Maria porque Deus a escolheu para ser a mãe de seu filho
Jesus, nosso único redentor e salvador. O culto a Maria está fundado na Palavra de Deus, que afirma:
“Isabel cheia do Espírito Santo exclamou: bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu
ventre... Bem-aventurada aquela que acreditou porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu”
(Lucas 1,41-42;45). Se o Espírito Santo inspira Isabel para reconhecer Maria como Bem-aventurada,
recusar fazê-lo não seria contradizer a inspiração do Espírito de Deus?
Maria recebeu de Deus a plenitude da graça e por esta razão é saudada pelo Anjo como “cheia de
graça” (Lucas 1,28). A mesma Maria, reconhecendo sua pequenez de serva agraciada por Deus
reconhece: “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada” (Lucas 1,48). Durante toda sua vida,
até a última provação, quando Jesus seu filho morre na cruz diante dela, sua fé não vacilou, Maria não
cessou de crer no cumprimento da Palavra, das promessas de Deus. Por isso a Igreja venera em Maria a
realização mais pura da fé (CIC 149). Nós amamos o Filho de Maria, Jesus Cristo, “autor e consumador
da fé” (Hebreus 12,2). Devemos, portanto, amar sua mãe, sua fiel discípula, a primeira que nele
acreditou, dando sua adesão ao plano de Deus, quando o Anjo lhe anunciou que seria mãe do Salvador.
A devoção à Virgem Maria é “intrínseca ao culto cristão” (Vaticano II - LG 62). Porém, o culto a
Maria, mesmo sendo inteiramente singular, difere essencialmente do culto que se presta à Santíssima
Trindade. Ao Deus uno e Trino Pai, Filho e Espírito Santo, nós adoramos. Enquanto a Maria nós
veneramos. Este culto de veneração toda especial a Maria se justifica porque ela é reconhecida como
Mãe de Jesus, o Filho de Deus, e antes do seu nascimento Maria é saudada como “a Mãe do meu
Senhor” (Lucas 1,43). O Concílio de Éfeso, no ano de 431, reconheceu Maria como Mãe de Deus: Mãe de
Jesus, Deus encarnado. Por isso a Igreja assim a venera com especial devoção.
Para Maria damos inúmeros títulos: Nossa Senhora das Graças, de Lourdes, Aparecida, Fátima, do
Carmo, da Penha... Mas é sempre a mesma Maria de Nazaré, a Mãe de Jesus que a Bíblia nos apresenta
toda de Deus (Lucas 1,38); toda do povo (Lucas 1,39.52-53.56); orando com a Igreja (Atos 1,14). Foi
Jesus que, morrendo na cruz, entregou sua mãe à Igreja na pessoa do discípulo João, que junto com
Maria estava aos pés da cruz: “Eis aí tua mãe” (João 19,27). E o discípulo a levou para sua casa. A casa
do discípulo nós sabemos é a comunidade, a Igreja. Maria é, portanto, presença materna na comunidade
dos que acreditam em Jesus.
O exemplo de Maria não afasta de Jesus, pelo contrário, arrasta a humanidade para a adoração de
seu Filho: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (João 2,5). Eis o que nos ensina Maria, é sua última palavra
na Bíblia, é seu testamento. Maria faz eco à palavra do Pai quando da transfiguração de Jesus: “Este é o
meu filho amado, que muito me agrada. Escutem o que ele diz” (Mateus 17,5). Concluímos que o culto a
Maria é bíblico, nele não há idolatria. A devoção a Maria nos leva a Jesus, à comunhão com Ele, Jesus é a
meta de toda devoção Mariana. A alegria de Maria é que aceitemos e sigamos Jesus como assim ela fez.
Maria não é o centro da fé, o centro é Jesus. Porém Maria faz parte do centro da fé porque faz parte
de forma única da vida de Jesus. Mãe e Filho estão ligados no plano de Deus e não podem ser separados,
não se pode reconhecer o Filho e não reconhecer a Mãe. Aceitemos a vontade de Deus, aceitemos o
presente que Ele nos dá: MARIA.
Imagens e idolatria
Muitos se perguntam: Os católicos adoram imagens? A resposta é: Não! Nunca as adoraram,
sempre as valorizaram. As imagens valem o que vale uma foto, ela pode estar gasta, mas recorda um
ente querido. Os católicos não adoram imagens. Somente as utilizam para lembrar de alguém que é
maior e a isso se chama de veneração e não de adoração. O sentido das imagens católicas está na
linha da serpente de bronze que Deus mandou Moisés esculpir (Números 21,8-9), segundo a explicação
dada em Sabedoria 16,7: “e quem se voltava para ele (o sinal da serpente), era salvo, não em virtude do
que via, mas graças a Ti ó Salvador de todos”.
a) Imagens permitidas na Bíblia.
A Bíblia apresenta muitas vezes o mistério de Deus através de imagens e a primeira imagem quem
a fez foi o próprio Deus ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança (Gênesis 1,27;2,7). O mesmo
Deus manda Moisés fazer dois querubins de ouro e colocá-los por cima da Arca da Aliança (Êxodo 25,18-
20). Manda Salomão enfeitar o templo de Jerusalém com imagens de querubins, palmas, flores, bois e
leões (1Reis 6,23-35 e 7,29). O Novo Testamento também apresenta o mistério de Deus através de
imagens: a imagem de Jesus como cordeiro digno de receber a força e o louvor (Apocalipse 5,12).
Quando do batismo de Jesus o Espírito Santo é apresentado em forma de pomba (Mateus 3,16) e no dia
de Pentecostes como línguas de fogo (Atos 2,1-3).
Jesus mesmo ensinava através de imagens: “Eu sou o bom pastor” (João 10,14). Os primeiros
cristãos vão representar Jesus desenhando um Bom Pastor com a ovelha nos ombros. Olhando esta
imagem eles não adoravam um pastor, mas pensavam na ternura de Deus que em Jesus, busca a ovelha
perdida. Representar algo por imagem ou símbolo era comum na Igreja primitiva, sobretudo em tempo
de perseguição. Por muito tempo, as pinturas dos santos e de cenas bíblicas nas Igrejas foram o único
‘livro’ que os cristãos mais simples puderam ler e entender.
b) Imagens proibidas na Bíblia, idolatria.
Mas a Bíblia então não proíbe as imagens? Sim, proíbe quando sua finalidade é servir à idolatria:
“Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses
diante de minha face. Não farás para ti escultura alguma do que está em cima dos céus, ou abaixo sobre
a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles e não lhes prestarás culto” (Êxodo
20,2-5). Em várias passagens bíblicas se repete esta proibição de não adorar outros deuses e nem fazer
deuses fundidos (Êxodo 34,14-17; Deuteronômio 7,5).
Podemos perceber como na Bíblia ídolo designa imagem feita para ser adorada como deus, como
faziam os pagãos com suas divindades. Para os judeus as imagens dos deuses são os próprios deuses
pagãos. Os povos vizinhos dos judeus acreditavam em muitos deuses e faziam imagens deles.
Geralmente estes deuses, criados pelo próprio homem, serviam de apoio ao sistema injusto e cruel que
maltratava o povo, em especial os pobres. Em Israel não se podia fazer imagem de Deus, não se podia
imaginar como Deus era, pois Ele é invisível e ninguém nunca o tinha visto. Do Deus verdadeiro não se
faz imagens, pois, todas as imagens são inadequadas para Javé. Dos falsos deuses se faziam imagens
que eram chamadas de ídolos, eram rivais de Javé. Idolatria é a exclusão do Deus verdadeiro
substituindo-o por um falso Deus.
O ídolo estava sempre ligado a um sistema de corrupção e opressão, levando a sociedade à divisão
e à guerra por causa da ganância pela terra, bens materiais e dinheiro, pela fama, prazer e pelo poder.
Estes sim os verdadeiros ídolos que afastam a pessoa do Deus verdadeiro, competindo com Ele no
coração (cf. Mateus 4,1-10; Lucas 4,1-12).
Portanto:
Deus parece, mas não é incoerente, já que num lugar da Bíblia manda fazer imagens e noutro lugar
o teria proibido. A imagem, hoje mais que nunca, faz parte da linguagem humana, é representação de
pessoa, coisa, idéia. A Bíblia fala de imagens algumas vezes para denunciar a idolatria, outras vezes para
mostrar o quanto a imagem é necessária para entendermos, por meio do Filho, o próprio Pai: “Ele (Jesus)
é a imagem do Deus invisível...” (Colossenses 1,15).
Os primeiros cristãos martirizados aos milhares porque se recusaram a adorar imagens de deuses
falsos, estudaram a Bíblia com atenção. Eles não tiravam esses textos que proíbem imagens de seu
contexto. Comparando-os com outros textos bíblicos, ficaram convencidos de que Deus proíbe imagens
de deuses falsos, adoração de ídolos que representam falsos valores, os quais induzem ao pecado. É o
que faziam os povos vizinhos de Israel. Mas Deus não proíbe fazer outras imagens que contribuem para
exaltar sua glória e poder. Por isso o II Concílio de Nicéia no ano de 787 defende a veneração das
imagens (pintura e escultura) de santos, pelos cristãos e o uso de símbolos nas celebrações litúrgicas.
O mesmo fez o Concílio Vaticano II mantendo o culto às imagens conforme a tradição (LG 67),
contanto que sejam em número comedido e na ordem devida (SC 125).
Oração
Ó Deus, todo poderoso. Ao rendermos culto à Imaculada Conceição de Maria, a Mãe do Vosso Filho Jesus
e Senhora nossa, concedei que o povo brasileiro, fiel à sua vocação e vivendo na paz e na justiça, possa
chegar um dia à Pátria Definitiva. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho, Vos pedimos, a Vós que
viveis e reinais para sempre, na Unidade do Espírito Santo. Amém.