terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A autoridade da Tradição oral, de onde surgiu a Bíblia



A maioria dos evangélicos, lamentavelmente, não sabe da existência da Sagrada Tradição. Não sabem que por trás das Escrituras existe uma Tradição que as berçou e que listou seu cânon. Ex 12,26; Dt 32,7; Jz 6,13.16; Sl 44(43),1.2; 78(77),5.10.11; 105(104),5; 143(142),5; Pr 2,18; Is 40,8; 59,21; Jr 6,16.17; 31,36; Dn 7,28 e Zc 1,6). Mas ela é um fato.
A palavra "Tradição" vem do latim "tradere" e significa "entregar". Tradição é, pois, no contexto aqui empregado, a transmissão ou entrega oral da mensagem cristã, compreendendo aí os ensinos dos apóstolos e dos primeiros cristãos transmitidos através dos Símbolos ou Profissões de fé, o Credo, através dos escritos dos Santos Padres da Igreja e dos ritos da Santa Liturgia. Toda essa mensagem foi primeiramente pregada ao povo e, só depois, foi escrita. Cristo mesmo nada escreveu; apenas pregou oralmente. Apesar de saber ler e escrever (Lc 4,16; Jo 8,6) Jesus anunciou sua mensagem apenas através da pregação, sem nada escrever e poucos dos apóstolos escreveram. Em outras palavras, Jesus e seus discípulos anunciaram o Evangelho predominantemente por via oral.
É facilmente perceptível que se o ensino escrito fosse realmente o exclusivo, Jesus e todos os apóstolos teriam tido primeiro a preocupação de escrever e depois pregar a Palavra oralmente. Mas aconteceu o contrário. Logo é impossível ser a Escritura a única regra de fé. É claro que se a Escritura fosse a única autoridade de fé, Jesus não deixaria de ele mesmo escrever sua doutrina. É claro também que todos os apóstolos escreveriam, não apenas alguns, como aconteceu. E ainda mais: acharia que Paulo escreveria cartas para pequenas comunidades em vez de escrever para todos os cristãos? A Escritura, então, não é, nem pode realmente ser a única regra de fé.
O argumento que cita o livro do Apocalipse para dizer que Cristo orientou os apóstolos a escreverem (1,11.19; 2,1.8.12.18; 3,1.7.14 ;21,5) não procede, pois, o fato de o Senhor orientar S. João para escrever um único livro, o Apocalipse, não desautoriza o nosso argumento, uma vez que durante toda a sua vida Ele nunca escreveu nem mandou nada escrever. Ora, se fosse obrigatória a escrita, com certeza Ele teria escrito ou pelo menos teria mandado os apóstolos escreverem, isso é lógico; mas isso Ele nunca fez. O fato de mandar S. João escrever o Apocalipse, não invalida, então, essa outra realidade. Por que ele não escreveu, nem mandou os apóstolos escreverem, mas, ao contrário, mandou-os pregar oralmente? Além disso, o fato de Ele ter mandado escrever paralelamente ao lado de mandar pregar oralmente, demonstra apenas a existência de duas autoridades: a autoridade oral da Igreja e a autoridade da escrita. Não justificaria, mesmo assim, a exclusividade das Escrituras.
A Palavra transmitida e chamada de Tradição é escrita aqui intencionalmente com maiúscula, para diferenciar-se das populares "tradições" (com t minúsculo), ou seja, costumes de origem desconhecida que se repetem pelos tempos afora. Tais "tradições" podem ser boas ou más, podem ser alteradas ou até desaparecer. A Tradição da Igreja, porém, originou-se de Jesus Cristo e dos apóstolos e se estendeu, conduzida pelo Espírito Santo, por todos os séculos através da pregação e da celebração dos mistérios de Cristo na Igreja. Essa Sagrada Tradição, que devemos conservar, é mais ampla que a Sagrada Escritura, e não se opõe a ela nem a contradiz, uma vez que se trata de uma mesma Tradição que se "transmite" escrita ou oralmente.
Dessa simples observação já se nota quão absurda é a objeção de que a Tradição deva ser rejeitada porque existiram e existem tradições falsas, não provindas dos apóstolos. Não negamos que existam tradições espúrias. E o tremendo esforço dos solascripturistas para nos informar essa existência de nada serve, pois não informam nenhuma novidade. Existem as falsas, mas também existem as verdadeiras tradições. E isso nos basta. A única obervação viável seria como distinguimos a Tradição apostólica das falsas tradições. E a resposta seria simples: distinguimos da mesma maneira como distinguimos a autêntica Escritura da falsa. A Igreja sempre se viu diante de uma grande variedade de tradições (verdadeiras ou falsas), como também sempre se encontrou diante de vários escritos (alguns também verdadeiros ou falsos). 
Da mesma forma que a Igreja primitiva precisou descobrir quais escritos eram autênticos e quais não eram, ela também teve que reconhecer qual Tradição é verídica e qual não é. A Igreja tinha diante de si, por exemplo, tradições opostas acerca dos livros que seriam aceitos como Escritura Sagrada. Algumas tradições incluíam ou rejeitavam certos livros, mas coube à Igreja distinguir quais livros são ou não canônicos. Para decidir se tal livro era ou não Escritura Sagrada, a Igreja teve que optar por determinada tradição. Assim, para estabelecer a autenticidade de um escrito, a Igreja teve que estabelecer antes a autenticidade da tradição. 
Como se vê, se a Igreja não é assistida pelo Espírito Santo para reconhecer a verdadeira Tradição, então ela também não foi assistida para reconhecer os escritos apostólicos, pois foi pelo reconhecimento da verdadeira Tradição que a Igreja chegou até os verdadeiros escritos. Nota-se, então, que uma coisa implica outra. Logo, existe a verdadeira Tradição e a Igreja é a autêntica intérprete da legítima Tradição e da legítima Escritura. Ou, então, nada é verdadeiro.
É muito significativo o fato de a Igreja ter estabelecido o cânon mais de 300 anos depois dos apóstolos e ainda mais baseando-se na Tradição. Ironicamente, os evangélicos - que tanto rejeitam a Tradição em favor da exclusividade da Bíblia - eles mesmos usam uma Bíblia berçada na Tradição.
Rejeitar a verdadeira Tradição por causa da existência dessas tradições espúrias, levaría-nos a também rejeitarmos a Escritura por causa da existência dos escritos apócrifos. Se tais escritos não invalidam a verdadeira Escritura, por que a falsa tradição invalidaria a autêntica Tradição? Logo, essa alegação não procede. Sabemos que para reconhecer a verdadeira Tradição a Igreja seguiu o mesmo critério que adotou para definir a canonicidade dos livros da Bíblia. Dentre outros itens, dois foram os citérios básicos adotados pela Igreja primitiva para reconhecer os autênticos escritos bem como a autêntica Tradição: a apostolicidade e a universalidade. Se um livro era apostólico, ou seja, se fora transmitido pelos apóstolos como Escritura (os livros do AT, p.ex) ou se foi escrito por um dos apóstolos ou um de seus companheiros (os livros do NT, p.ex), então, era considerado canônico.
O escritor J.N.D.Kelly, historiador da Igreja primitiva, reconhece a existência desse critério: “A menos que se pudesse mostrar que um livro procedia da pena de um apóstolo, ou a menos que tivesse a autoridade de um apóstolo por detrás dele, era imperiosamente rejeitado, não importando quão edificante ou popular pudesse ser para os fiéis” (Doutrinas Cristãs Primitivas, p. 60). Também eram reconhecidos como apostólicos os livros que se harmonizavam com os ensinamentos dos apóstolos e transmitidos à Igreja. Isso é algo que os próprios exegetas evangélicos também admitem.
O protestante F.F.Bruce escreve que: “[Os padres da Igreja primitiva] recorreram ao critério da ortodoxia (...) Este recurso ao testemunho das igrejas fundadas pelos apóstolos foi desenvolvido especialmente por Ireneu (...) Quando começavam a circular Evangelhos ou Atos desconhecidos (...) a pergunta mais importante acerca destes era: Que ensinam acerca da pessoa e da obra de Cristo? Conservam o testemunho apostólico (...)?” (O Cânon da Escritura, p. 260). Essa mesma apostolicidade é exigida para o reconhecimento da autêntica Tradição: só é verdadeira a Tradição originada dos apóstolos; daí o epíteto “Tradição apostólica.”
Se um livro era universalmente considerado como canônico, então ele também entrava no cânon. Se uma certa obra não era considerada apostólica e não se pregava como tal nas comunidades (ou pelo menos pela maioria das comunidades), então era rejeitada. Se a Tradição das igrejas não reconhecia um livro como apostólico, este não era incluído no cânon. A existência desse critério praticado pela Igreja primitiva, para estabelecer o cânon, também é admitido pelos próprios protestantes. F.F.Bruce escreve ainda: “É digno de nota – quando alguém pensa nisso - que os quatro Evangelhos canônicos são anônimos, embora os Evangelhos que proliferavam no fim do século segundo e mais tarde, afirmassem ter sido escritos por apóstolos e outras testemunhas oculares. Eclesiásticos católicos viram, então, que era necessário defender a autenticidade apostólica dos Evangelhos (...) A autoria apostólica de Mateus e João estava bem estabelecida na tradição. E quanto a Marcos e Lucas? Sua autoria também estava bem estabelecida na tradição” (Idem, p. 257). Pelo mesmo critério, a autêntica Tradição é aquela que sempre foi aceita pela Igreja universal. Como dizia S. Vicente de Lérins (+450): "Na Igreja Católica é preciso dar grande cuidado para que guardemos aquilo que, em toda a parte, sempre e por todos tem sido acreditado" (Commonitorium 2).
É lógico que uma vez reconhecidos os autênticos escritos e a autêntica Tradição, ambos tornavam-se também critérios de canonicidade de outros escritos ou outras tradições. Uma tradição, por exemplo, jamais podia nem pode contradizer a Escritura ou uma Tradição já aceita como apostólica, senão, obviamente, será falsa.
Como se vê, o cânon bíblico e o cânon da Tradição foram, então, estabelecidos a partir dos mesmos critérios. Logo, rejeitando a Tradição somos forçados a também rejeitarmos a Escritura.
Os solascripturistas, porém, apresentam uma dificuldade: mas como pode a Tradição ser confiável, se ela pode ser deturpada com o tempo como a brincadeira do telefone-sem-fio? Aliás, esse é o grande argumento dos solascripturistas. Tenho lido muitos textos dos defensores da Sola Scriptura e tenho percebido que todos os argumentos se encaminham para essa hipótese. Mas veja: São Paulo, por exemplo, não tinha esse receio, pois confiava na Tradição. Se assim não fosse, não teria dito a Timóteo: "E o que de mim, através de muitas testemunhas ouviste, confia-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros." (2 Tm 2,2). S. Paulo disse isso porque reconhecia a Igreja como a Coluna e o Fundamento da Verdade (1Tm 3,15) e que ela guardaria fielmente a doutrina revelada (Mt 16,18-19). Observe que o apóstolo reconhece a autenticidade não só de suas palavras, mas também da transmissão dessa palavra. Se para ele o oral iria se corromper, seria muito estranha essa afirmação.
Mais: Se a Tradição não fosse confiável, o cânon bíblico não teria sido baseado nela. Além disso, da mesma forma que uma Tradição pode ser deturpada, um livro também pode. A prova disso é a existência de livros apócrifos. O próprio S. Paulo reconheceu isso ao dizer: ”Não vos deixeis facilmente perturbar o espírito e alarmar-vos, nem por alguma pretensa revelação, nem por palavra ou carta tidas como procedentes de nós... Ninguém de modo algum vos engane.” (2Ts 2,2.3). E essa deturpação ainda é mais fácil quando os escritos originais se perdem, como é o caso de inúmeros livros da Bíblia.
A única maneira, portanto, para sabermos quais os livros autênticos que temos hoje é exatamente identificarmos quais os livros que sempre foram acatados pela autoridade da Igreja. Exatamente pelo fato de existirem diferentes escritos é que uma autoridade teve de se pronunciar para identificar e definir quais eram realmente autênticos e quais não eram. E essa autoridade, como todos sabemos, foi justamente a Igreja Católica. Para se preservar uma verdade, é realmente mais seguro delegar autoridade a alguém para que a guarde. O papel e o homem se acabam; a Igreja, porém, ficará até o fim dos tempos. Foi justamente por isso que Sto. Agostinho disse que “não creria no Evangelho, se a isso não o levasse a autoridade da Igreja”. O engraçado está justamente aqui. Os solascripturistas falam como se somente o oral fosse sujeito à corrupção. Parece que estão cegos para reconhecer que os escritos também são passíveis de erro. Ou vão negar o óbvio? E mais: se Deus é capaz de preservar o escrito da corrupção, por qual motivo não o seria para preservar o oral? Ou Ele não é Deus? E outra: onde está nas Escrituras que o oral iria se corromper?
Além de tudo isso, não tenham receio os solascripturistas, pois a Sagrada Tradição mais tarde foi passada para a forma escrita e transmitida por inúmeras modos. Tais modos são:
1) os Símbolos --> o símbolo dos Apóstolos, de Niceia, de Santo Atanásio.
2) os Concílios --> os concílios gerais são a voz da Igreja universal. Todos embasaram suas decisões sobre o ensinamento anterior e particularmente sobre as dos primeiros séculos. Sua doutrina não pode diferir da dos apóstolos.
3) Os escritos dos Santos Padres--> Os escritos dos santos padres são o grande canal da Tradição Divina. Chamam-se Padres da Igreja os escritores eclesiásticos dos primeiros séculos reconhecidos como testemunhas da Tradição. Para se requerer este titulo são necessárias quatro condições:
a) uma doutrina sublime;
b) uma santidade notável;
c) uma remota antiguidade;
d) o testemunho da Igreja.
Os primeiros padres que escreveram a tradição apostólica são:
- Clemente de Roma,100 DC;
- Santo Inácio de Antioquia, 107 DC;
- São Policarpo, 166 DC;
- São Justino, 166 DC;
- Santo Irineu, 202 DC;
- São Clemente de Alexandria, 217 DC;
- E inúmeros outros.
Enquanto testemunhas da Tradição, os Padres possuem uma autoridade especial. Quando vários apresentam uma doutrina como pertencente à Tradição Apostólica, aquela merece a adesão de nossa Fé, pois é impossível que autores de diversos séculos, de diversas regiões diferentes estejam de acordo ao colocar em suas obras as mesmas crenças se não as receberam por Tradição, e mais especificamente, por uma Tradição soprada pelo Espírito do Senhor. Quando os Santos Padres, agindo como doutores, expõem suas próprias ideias, apesar de merecerem um grande respeito, não se deve dar uma adesão incondicional, porque seu ensino não se identifica com o da Igreja, é algo meramente particular.
4) Os livros litúrgicos --> o missal, o pontifical, o ritual, o breviário etc contém as orações, cerimônias em uso para o Santo Sacrifício, para administração dos sacramentos etc. Estes livros que datam dos primeiros séculos, tem suma importância, pelo testemunho da fé de toda a Igreja.
5) Atas dos mártires --> Estas atas, por nos fornecer as verdades que os mártires selaram com seu sangue, nos mostram provas incontestáveis da fé primitiva da Igreja.
6) Monumentos públicos --> As inscrições gravadas nos sepulcros ou nos monumentos públicos, testemunham a crença dos primeiros cristãos acerca do batismo das crianças, a invocação dos Santos, o culto das imagens e das relíquias, etc. Os confessionários encontrados nas Catacumbas de Roma testemunham a divina instituição da confissão sacramental.
Ademais, é de notar que a Bíblia como tal é uma Palavra que não se interpreta a si mesma, mas permite ser estudada pelos seus leitores. A palavra oral é o meio originário e eficaz para transmitir o sentido autêntico da palavra escrita. Isso é tão verídico que os protestantes, por mais que queiram seguir somente a Bíblia, não conseguem evitar a existência de uma tradição extrabíblica oriunda do respectivo fundador de cada denominação. Logo, estamos diante de mais uma dificuldade sem fundamento.
Mas aqui alguém poderia indagar se a Tradição é "theopneustos”, ou seja, inspirada, como o é a Bíblia. E poderia até indagar que se ela não é inspirada, por que aceitá-la? Ao que respondemos: A Tradição é inspirada em um sentido; e em outro, não. Quando Deus revelou inicialmente os seus ensinos aos apóstolos, especificou o modo pelo qual tais ensinamentos chegariam até eles, de modo que a entrega original foi inspirada. Todavia, Deus não indicou diretamente o modo como os apóstolos deveriam passar esses ensinos a outras pessoas. Os apóstolos poderiam transmitir os ensinos de Deus de infinitos modos. Logo, enquanto a entrega original da Tradição foi inspirada, as palavras pelas quais ela nos chegou não o foram.
Para melhor compreendermos esse fato, relembremos o que chamamos de “discurso direto” e “discurso indireto” e que aqui chamamos de “ipsisima verba” e “ipsisima vox” de uma pessoa. O discurso direto é a ipsisima verba de alguém, que são as próprias palavras usadas pela pessoa. Nesse tipo de discurso temos a impressão de que estamos ouvindo o próprio autor do discurso. Já o discurso indireto ou a ipsisima vox é o procedimento segundo o qual não se reproduz literalmente as palavras de alguém. Aqui, ouvimos a pessoa que fala através do transmissor, porque este transmite a mensagem recebida indiretamente, ou seja, por suas palavras.
Aplicando isso às Escrituras e à Tradição, podemos dizer que as Escrituras nos dão a ipsisima verba de Deus, enquanto que a Tradição nos proporciona a ipsisima vox de Deus. Ambas revelam a palavra de Deus infalível: uma, diretamente, usando as próprias palavras de Deus e a outra, indiretamente, através das palavras do transmissor, a Igreja.
Aceitamos, então, a Tradição porque ela nos proporciona um outro modo pelo qual os pensamentos de Deus chegam até nós, fazendo-nos compreendê-los melhor. A Tradição, embora não inspirada, não é um acréscimo humano, mas um complemento divino. Lembremos que para S. Paulo, seu ensino oral provém de Deus, não dos homens (Gl 1, 11; 1 Tes 2, 3.4.13). Também a aceitamos porque o modo como a palavra de Deus está registrado na Escritura está adequado ao contexto das culturas antigas - hebreia e grega - e, no entanto, precisamos reproduzir hoje tais pensamentos de uma maneira mais moderna. Precisamos reproduzir essa palavra de modo a ficar compreensível para as pessoas hoje. E é evidente que para que essa palavra seja hoje atualizada e sem erro, Deus só pode ter proporcionado, como de fato proporcionou, o dom da infalibilidade a sua Igreja. Do contrário, tudo rui por terra.
Convém ressaltar aqui ainda que a Igreja Católica não baseia suas doutrinas exclusivamente na Tradição, como alguns solascripturistas têm pregado. Evidentemente que não. Essa afirmação dos solascripturistas só demonstra que pouco ou nada eles entendem da Tradiçao e do pensamento católico sobre o assunto. Todas as doutrinas católicas, mesmo as mais incompreendidas por eles, baseiam-se, mesmo que implicitamente, na Bíblia. São, portanto, doutrinas bíblicas. Se eles não concordam com elas, não quer dizer que não sejam de fato doutrinas bíblicas. A dificuldade não está na Bíblia, mas na interpretação deles. A discordância dos solascripturistas em nada depõe a favor ou contra nossas doutrinas. Até porque, no próprio Protestantismo, embora haja aqueles que delas discordam, sempre há um ou outro ramo que com elas concorda. Além disso, os nossos dogmas aceitos por eles foram elaborados do mesmo modo que os não-aceitos. Não terão lógica, pois, em aceitar uns e rejeitar outros.
Essa escolha constitui exatamente uma heresia. Tal palavra, de origem grega, significa justamente isso: “escolher”, porque o herege é alguém que escolhe alguns ensinamentos da Igreja e rejeita outros (como se a Igreja fosse um supermercado onde a pessoa escolhe em que irá ou não acreditar).
Os solascripturistas têm alegado que o problema não é bem a tradição, mas, sim, a tradição contrária às Sagradas Escrituras. Ora, mas com isso nós também concordamos. Rejeitamos totalmente as tradições opostas ao ensinamento da Bíblia Sagrada. A Igreja jamais aceitou tais tradições. Exemplo disso ocorre com a própria doutrina da Sola Scriptura. Como tal doutrina não só não se encontra na Escritura como também a contradiz, a Igreja rejeitou isso como heresia. O que são na verdade heresias, senão tradições contrárias à Sagrada Escritura?
Agora, se o problema para os solascripturistas é mesmo apenas as tradições opostas à Escritura Sagrada, por que, então, rejeitam as nossas doutrinas, que não contradizem as Escrituras, mas somente estão implícitas nela? Onde, por exemplo, a Bíblia contradiz o nosso cânon bíblico, a sucessão apostólica, a oração pelos mortos, o purgatório, a maternidade divina de Maria, a imaculada conceição dela, o batismo infantil, o batismo por infusão? Os solascripturistas insistem em dizer que tais dogmas são contraditos na Bíblia Sagrada, mas até hoje não conseguiram provar isso na sua única regra de fé. O que deixa claro que tais doutrinas se opõem à ideia deles, não à Santa Escritura.
Veja, por exemplo, o caso da oração pelos mortos. Esse santo costume está explicitamente no livro dos Macabeus (2Mac 12,39-46) e implicitamente na carta de São Paulo a Timóteo (2Tm 1, 16-18). Mas mesmo assim os solascripturistas rejeitam essa santa prática. Não aceitam o texto explícito porque dizem que esse livro não é inspirado. Agora porque rejeitam o texto implícito eu não entendo, pois além desse livro constar na Bíblia deles, eles dizem que não rejeitam pontos implícitos na Sagrada Escritura.
Quanto ao caso do livro dos Macabeus, veja a desarmonia do princípio solascripturista: mas quem disse que o livro dos Macabeus é apócrifo? A Bíblia nunca o disse. Quem disse foi a tradição dos fariseus, já condenada por Jesus na própria Escritura e os protestantes, os quais estão ausentes da Escritura e sobre nada se entendem. Logo, para rejeitarem as nossas doutrinas os solascripturistas recorrem a todo tipo de argumento (apegam-se até mesmo a argumentos extrabíblicos, que dizem rejeitar), menos à Bíblia.
Na verdade, o problema não está nas Escrituras, mas na interpretação deles, pois nenhum dogma católico se opõe ao ensino bíblico. Nossas doutrinas estão explícitas ou implicitamente na Sagrada Escritura. Quando os evangélicos encontram divergências entre a Tradição ou o Magistério da Igreja e a Escritura, é porque estão interpretando equivocadamente a Escritura. Com efeito, esses três pilares não se opõem, mas se completam. Nenhuma doutrina Católica está fora da Bíblia. A questão é que ela pode estar melhor esclarecida na Tradição. E como a Tradição comprova explicitamente a veracidade das nossas doutrinas, os evangélicos não tiveram outra opção senão rejeitá-la.
A transmissão oral ou escrita de fatos históricos se constitui não somente da fonte de Revelação Divina, mas também, de pessoas para pessoas, desde o acontecimento até os dias de hoje. E ela só é possível através da Igreja Católica, pois esta viveu naquele tempo e vive até hoje. Por isso, é que a Tradição é uma fonte de fé somente para o Catolicismo, e é tão combatida pelas demais igrejas, que só surgiram a partir do Século XVI. Esse é justamente o motivo por que essas novas igrejas combatem tanto a Tradição. É claro que eles não dariam um tiro no próprio pé. Aceitar a Tradição significaria, na prática, aceitar tudo o que a Igreja ensina. Conservar a Tradição é dar razão à Igreja, pois ela é fiel e conserva integralmente tudo aquilo que recebeu de Cristo pelos apóstolos. Aceitar a Tradição significaria, então, dar um desmentido em si mesmo, pois falta a eles o ponto essencial da Tradição: a origem antiga, ou seja, a origem apostólica, e a continuidade histórica durante todos os séculos depois de Cristo.
A Tradição é, portanto, a garantia ainda hoje, em pleno século XXI, da autenticidade do nosso cânon bíblico (apesar de existirem inúmeros livros apócrifos), bem como é também a garantia da existência da legítima interpretação bíblica (apesar também dessa imensa babel de interpretações). Não faria sentido, claro, Deus nos deixar os autênticos escritos sem nos deixar a autêntica interpretação desses escritos.
Obs: O texto foi organizado com base em diversos textos veiculados no site www.veritatisplendor.com.br
Professor Evaldo Gomes
Fonte: Programa falando de Fé

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