quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Por que existem diferenças entre as Bíblias?

Por que existem diferenças entre as Bíblias?
Frei Ildo Perondi, OFM Cap (ildo@sercomtel.com.br)
 Seguidamente as pessoas nos perguntam por que existem tantas diferenças entre as Bíblias? Se ela é a
Palavra de Deus, por que não existe um único texto em cada língua? A pergunta é interessante, porém a resposta é
um pouco longa. Vamos tentar explicar, partindo de muito longe, isto é, iniciando de onde começou o problema.
Os dois Livros de Deus: Santo Agostinho diz que Deus escreveu dois livros. O primeiro foi a vida. De
fato, a vida é um livro aberto. Nele nós podemos “ler” a mensagem de Deus, ver como é belo aquilo que Ele cria e
descobrir na Criação o seu projeto. Deus criou a vida e a vida deveria ser bonita e bela. Porém, depois de muitos
anos, surgiram problemas. A vida começou a ser desvalorizada, desrespeitada. Deus, em seu infinito amor, decidiu
escolher um povo e com este povo fazer história e revelar o seu projeto de amor. Então veio o segundo livro que é a
Bíblia. A Bíblia veio para ajudar a vida. A Bíblia nasceu ligada à vida e para que o povo tivesse mais vida.
Deus escolhe um povo: Deus chamou um povo e com ele fez história. Deus caminhou com seu povo e o
povo caminhou com seu Deus. É uma história longa que começou com os nossos pais e mães da fé (Abraão e Sara;
Isaac e Rebeca; Jacó e Lia e Raquel). A eles Deus fez a Promessa: terra, descendência e bênção. Depois vieram as
doze tribos. Tempos depois este povo caiu escravo no Egito e gritou a Deus. Deus viu, ouviu e desceu para libertar
o povo (Ex 3,7-10). E chamou Moisés para conduzir o povo até a Terra Prometida.
 Este povo depois de passar por uma longa experiência no deserto, começou a viver uma vida bonita, em
forma comunitária (tribalismo). Depois veio a monarquia. Vieram Profetas que falavam em nome de Deus. Mas a
infidelidade do povo e a má administração do poder  por parte dos reis que governavam, fizeram com que  se
afastassem cada vez mais do projeto de Deus. Assim o país se dividiu em dois (Israel/Samaria – no norte; Judá – no
sul). Israel foi dominado pela Assíria (721 aC) e Judá pela Babilônia (586 aC). Levado para o exílio na Babilônia, o
povo sofreu a dor de viver longe da terra. Sofreu também o povo que ficou dominado na terra. Mas, a mão de Deus
Redentor fez com que o povo retornasse à sua terra. Novos Profetas vieram e alguns começaram a anunciar que
Deus ainda tinha um projeto para o seu povo: a vinda do Messias.
A Bíblia em hebraico: A história do Antigo Testamento durou em torno de dois mil anos. Primeiro o povo
viveram a história; depois contaram a história vivida, acrescentando fatos novos; depois começaram a escrever os
primeiros textos; mais tarde outros escritores deram a última redação a estes livros. Em todos estes momentos nós
consideramos que houve a inspiração de Deus. Portanto, o texto bíblico é fruto da ação de Deus e do seu povo. Os
livros são inspirados por Deus e escritos por pessoas humanas. O povo de Deus vivendo em Israel falava a língua
hebraica ou o aramaico e escreveu a Bíblia em hebraico.
A Bíblia em grego (LXX): Mas depois da volta do exílio, muitos hebreus viviam fora de Israel, exilados
ou porque emigraram. Nesta época em quase todo o mundo se falava a língua grega. Os hebreus que viviam fora de
Israel tinham dificuldade de ter acesso ao texto bíblico escrito em hebraico. Os filhos dos hebreus nascidos fora da
Terra Santa estudavam o grego. E por isso, em Alexandria no Egito, uns 300 anos antes de Cristo, alguns escribas
hebreus decidiram traduzir a Bíblia para o grego. A história conta que se reuniram em selas separadas 72 escribas
vindos de Israel (6 de cada tribo) e em exatos 72 dias cada um fez uma cópia. Depois de concluídos viram que os
textos eram absolutamente iguais. Por isso, esta tradução é chamada LXX (Setenta) ou Septuaginta. Porém,
sabemos que não foi bem assim. A tradução para o grego foi feita por muitas mãos. Alguns conheciam bem o
hebraico e também o grego. Alguns livros têm uma tradução péssima para o grego. Muitas vezes tiveram que
explicar alguns termos, interpretar certas expressões, fazer o texto se tornar compreensível ao mundo grego. 
 Os hebreus que moravam em Israel não gostaram dessa tradução. Segundo eles, Deus só “falava” em
hebraico. Os hebreus que viviam fora de Israel gostaram, porque assim podiam ler, estudar e viver a Palavra de
Deus e usar este texto na liturgia e nas celebrações. No entanto, eles foram mais longe, entenderam que alguns
livros escritos fora de Israel faziam parte da história do povo de Deus e por isso também eram inspirados por Deus.
Foi assim que incluíram na Bíblia também os seguintes livros: Eclesiástico, Sabedoria, Tobias, Judite, Baruc, 1 e 2
Macabeus e alguns trechos dos livros de Daniel e Ester e uma Carta de Jeremias. Os judeus acharam isso um
absurdo porque, segundo eles, Deus só se revelava em hebraico e ficaram com a sua Bíblia que ficou mais
“pequena” e só em hebraico. Os judeus fora de Israel tinham então uma Bíblia mais “grande”
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, em grego. No ano
87, os judeus de Israel, no Concílio de Jamnia, definiram de uma vez por todas que para eles a verdadeira Bíblia
hebraica era esta “pequena”.
 Jesus veio e viveu em Israel, onde se falava o hebraico e aramaico. Jesus estudou a Bíblia, e quando ia nas
sinagogas lia os trechos bíblicos. Como estava em Israel utilizava sempre a Bíblia Hebraica “pequena”.
NT em grego: Jesus falou e anunciou a sua mensagem em aramaico e hebraico, mas o Novo Testamento
foi escrito em grego. Os Apóstolos anunciaram a Boa Nova de Jesus em Israel, depois saíram e foram por todo o
mundo. Nesses lugares a língua corrente (escrita e falada) era o grego e então usaram o AT escrito em grego, isto é,
                                              
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 Os livros que estão a mais na Bíblia “grande” são chamados de “Deutero-canônicos” (para os Protestantes são Apócrifos). O uso do termo
“pequena” e “grande” aqui não significa que uma Bíblia é melhor ou maior que a outra. Mas que é mais grossa ou mais fina; isto é, que
contenha mais ou menos livros. a Bíblia “grande”. Isso mostra que Deus revelava a sua mensagem em qualquer língua que Ele quisesse. O NT cita
cerca de 350 vezes o AT e se percebe que pelo menos 300 vezes as citações são tiradas da versão grega (LXX).
 A Vulgata (Bíblia em latim): No século V, a língua falada e escrita no mundo já não era mais o grego,
mas o latim. E a Igreja anunciava a Boa Notícia do AT e de Jesus e, por isso, precisava traduzir a Bíblia para a
língua da época. Surgiram algumas versões em latim. Em 382 o Papa Damaso pediu a São Jerônimo a tradução dos
Evangelhos. Depois S. Jerônimo foi morar em Jerusalém e conheceu um rabino muito famoso que lhe ensinou bem
o hebraico. E assim começou a traduzir a Bíblia Hebraica (AT). Tudo ia bem quando traduziu a Bíblia “pequena”.
O rabino (que era de Israel) foi da opinião que não deviam ser traduzidos os livros do AT que foram escritos em
grego. São Jerônimo ficou meio confuso e no fim, consultando a Igreja, acabou traduzindo e incluindo também
estes na tradução latina da Bíblia (chamada Vulgata, isto é, fácil). A versão latina da Bíblia também ficou “grande”.
A Tradução de Lutero: O tempo foi passando, e em toda a Igreja se usava  a Bíblia “grande”. Mas no
século XVI, Martinho Lutero, iniciou a Reforma Protestante. Lutero era alemão e achou que era importante que o
povo pudesse ler a Bíblia na sua língua, e traduziu a Bíblia para o alemão. Traduziu com muito capricho a Bíblia
hebraica “pequena”. E ficou na dúvida com os livros do AT escritos em grego e decidiu traduzir somente os livros
da Bíblia “pequena”
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. O NT não apresentou problemas e a tradução de Lutero ficou igual ao texto que era traduzido
e usado pela Igreja Católica. Assim, a Bíblia (AT) traduzida por Lutero seguiu igual aquela “pequena” e a Bíblia
traduzida pela Igreja Católica ficou igual àquela “grande”. Em seguida houve tradução da Bíblia para todas as
línguas possíveis. As traduções Católicas são mais “grandes” e as traduções protestantes são mais “pequenas”.
Conclusão:  Por isso, é importante conhecer bem esta história.  No entanto, é errado dizer que os
Protestantes tiraram sete livros da Bíblia. Também é errado dizer que os Católicos colocaram sete livros a mais na
Bíblia. A diferença que existe é fruto de uma história que vem de longe. E das opções feitas no momento de
traduzir a Bíblia para as línguas modernas. Hoje Católicos e Protestantes trabalham muito de forma ecumênica.
 As Bíblias traduzidas em Português:
a) Bíblia de Jerusalém: É o melhor e mais seguro texto bíblico que temos para estudo. É uma tradução
bastante fiel, a partir dos textos originais, feita por bons biblistas. Não é um texto popular, porque procura traduzir
de acordo com aquilo que está nos textos originais. É muito usada nos Seminários (inclusive Protestantes). Traz
boas notas de rodapé e informações sobre os textos paralelos. Possui também uma boa linha do tempo e da história
no final, e boas introduções a cada Livro da Bíblia. Em 2002 foi feita uma revisão geral, melhorando ainda mais o
texto.
b) Bíblia Sagrada – Edição Pastoral: É um bom texto, traduzido também por bons e sérios biblistas. A
linguagem é bem popular. Isto é, um texto fácil e gostoso de ler. Foi traduzida há pouco tempo e é a Bíblia
recomendada para o povo. Tem boas introduções a cada livro, porém as notas de rodapé nem sempre são boas.
 c) Bíblia da CNBB: É uma tradução que acabou de ser editada. O texto é bom, numa linguagem boa e bem
fácil. Seu objetivo é litúrgico. Ou seja, um texto para a liturgia em toda a Igreja do Brasil. Exemplo de um texto
traduzido: 2Tm 3,17 “... a fim de que toda pessoa seja útil para a boa obra” (o termo grego no original é antropos,
isto é “homem”. Mas a maioria das pessoas nas celebrações são mulheres. Uma Bíblia para estudo deve traduzir
“homem”; uma Bíblia litúrgica, traduz corretamente também quando interpreta e traduz “pessoa”).
d) TEB  (Tradução Ecumênica da Bíblia): Foi feita a tradução por Católicos, Protestantes e Hebreus. Por
isso, o texto procura ser conciliatório, às vezes difícil. Também a ordem de colocação dos livros da Bíblia, não é
sempre como nós conhecemos. Mas tem boas introduções e também notas de rodapé muito boas.
d) Bíblia Ave Maria: É uma das mais antigas versões populares da Bíblia. Mas a tradução para o
português não foi feita dos textos originais. E parece que nem todos os tradutores eram biblistas. Por isso, contém
muitos erros, expressões confusas, palavras mal traduzidas... A maioria dos biblistas não gosta desta tradução.
e) Bíblia Mensagem de Deus (edições Loyola). Possui um texto bom, uma tradução fiel, apesar de não ser
uma Bíblia muito conhecida.
f) Bíblia “O Pão Nosso” (Vozes). Também tem um bom texto, com poucas notas de rodapé e também não
é muito conhecida.
g) Bíblia do Peregrino: É uma tradução feita há pouco pelo biblista L. Alonso-Schökel e sua equipe. O
texto é bom, mas às vezes um pouco confuso. Tem muitas notas de rodapé. Porém custa muito caro.
h) Bíblias Protestantes: Quase todas as Bíblias Protestantes seguem a tradução feita por João Ferreira de
Almeida, editadas pela Sociedade Bíblica do Brasil. Foram traduzidas dos originais. São bons, pois a tradução é
fiel, mas possuem poucas notas de rodapé e sem introduções aos livros. Para nós Católicos não possuem  os sete
                                               
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 Alguns acham que Lutero queria tanto traduzir o NT e por isso, traduziu só os livros do AT (Bíblia “pequena”) e iniciou logo a tarefa de
traduzir os NT. Outra hipótese seriam problemas com os livros dos Macabeus. O certo é que Lutero tinha muita apreciação por estes livros
dizendo que eram muito importantes e ele mesmo recomendou que deveriam ser lidos e estudados. livros da Bíblia “grande” do AT (que nós consideramos também inspirados). As outras traduções protestantes são
muito fracas. Outras traduções são fracas. A Bíblia das Testemunhas de Jeová, manipula e traduz mal os textos.
 i) Outras Bíblias: Aconselha-se a não comprar as Bíblias dos vendedores, que chegam nas casas, mesmo
aquelas com figuras bonitas. Geralmente custam mais caro. Os textos são péssimos, na maioria das vezes não são
traduzidos dos originais e nem por biblistas. Geralmente é material que está “encalhado” nas livrarias.  

fonte:Frei Ildo Perondi, OFM Cap (ildo@sercomtel.com.br)

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