Esta unidade devemos guardar e exigir com firmeza, especialmente nós,
bispos, que na Igreja presidimos, para dar prova de que o episcopado também é
um e indiviso. Ninguém engane os irmãos com mentiras, ninguém corrompa a pureza
da fé com pérfidos desvios.
Uma só é a ordem episcopal e cada um de nós participa dela
completamente. Mas a Igreja também é uma, embora, em seu fecundo crescimento,
se vá dilatando numa multidão sempre maior.
Assim muitos são os raios do sol, mas uma só é a luz, muitos os ramos de
uma árvore, mas um só é o tronco preso à firme raiz. E quando de uma única
nascente emanam diversos riachos, embora corram separados e sejam muitos,
graças ao copioso caudal que recebem, todavia, permanecem unidos na fonte
comum.
Se pudéssemos separar o raio do corpo do sol, na luz assim dividida já
não haveria unidade. Quando se quebra um ramo de árvore, o ramo quebrado já não
pode vicejar. Se separarmos um regato da fonte, ele secará.
Igualmente a Igreja do Senhor, resplandecente de luz, lança seus raios
no mundo inteiro, mas a sua luz, difundindo-se em toda a parte, continua sendo
a mesma e, de modo nenhum, é abalada a unidade do corpo.
Na sua exuberante fertilidade, estende os seus ramos em toda a terra,
derrama as suas águas em vivas torrentes, mas uma só é a cabeça, uma a fonte,
uma a mãe, tão rica nos frutos da sua fecundidade. Do parto dela nascemos, é
dela o leite que nos alimenta, dela o Espírito que nos vivifica.
A esposa de Cristo não pode tornar-se adúltera, ela é incorruptível e
casta. Conhece só uma casa, observa, com delicado pudor, a inviolabilidade de
um só tálamo. É ela que nos guarda para Deus e torna partícipes do Reino os
filhos que gerou.
Aquele que, afastando-se da Igreja, vai juntar-se a uma adúltera, fica
privado dos bens prometidos à Igreja. Quem abandona a Igreja de Cristo não
chegará aos prêmios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se
inimigo.
Não pode ter Deus como Pai quem não tem a Igreja como mãe. Como ninguém
se pode salvar fora da arca de Noé, assim ninguém se salva fora da Igreja.
O Senhor nos alerta e diz: “Quem não está comigo está contra mim, quem
comigo não recolhe, dissipa”. Quem rompe a paz e a concórdia de Cristo trabalha
contra Cristo. Quem faz colheita alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja
de Cristo.
Diz ainda o Senhor: “Eu e o Pai somos um”, e do Pai, do Filho e do
Espírito Santo está escrito: “estes três são um”. Como poderá alguém pensar que
esta unidade da Igreja, decorrente da própria firmeza da unidade divina, e tão
conforme com este celeste mistério, pode ser rompida e sacrificada ao arbítrio
de vontades opostas? Quem não observa esta unidade não observa a lei de Deus,
não observa a fé do Pai e do Filho, não possui nem a vida, nem a salvação.
Este sacramento da unidade, este vínculo de concórdia inviola-se e sem
rachadura, é figurado também pela túnica do Senhor Jesus Cristo. Como lemos no
Evangelho, ela não foi dividida, nem de modo algum, rasgada, mas sorteada. Isto
quer dizer que quem toma a veste de Cristo e tem a dita de se revestir do
próprio Cristo, deve receber a sua túnica toda inteira e possuí-la intacta e
sem divisão.
Diz a divina Escritura: “Quando à túnica, visto que, desde a parte
superior, era feita de uma única tecedura, sem costura alguma, disseram: não a
dividamos, mas lancemos-lhe a sorte para ver a quem toca”. A unidade da túnica
derivava da sua parte superior – em nosso caso, do céu e do Pai celeste. Aquele
que a recebia e guardava não podia rasgá-la de modo nenhum, de fato ela era
resistente e sólida por ser constituída de um modo inseparável.
Não se pode possuir a veste de Cristo aquele que rasga e divide a Igreja
de Cristo.
O contrário aconteceu à morte de Salomão, quando o seu reino e o povo
deveriam ser divididos. O profeta Aías, indo ao encontro do rei Jeroboão no
campo, cortou o seu manto em doze partes dizendo: “Toma para ti dez partes,
porque assim diz o Senhor”: eis que eu divido o reino da mão de Salomão, a ti
darei dez cetros e dois ficarão com ele, por causa do meu servo David e de
Jerusalém, a cidade eleita em que eu pus o meu nome”. Para separar as doze
tribos de Israel, o profeta dividiu o seu manto.
Mas o povo de Cristo não pode ser dividido, e por isso a sua túnica, que
era um todo feito de uma só tecedura, não foi dividida por aqueles que a deviam
possuir. Ficando uma só, bem firme na sua contextura, ela mostra a união e a
concórdia do nosso povo, isto é, daqueles que são revestidos de Cristo. Por
este sinal sagrado da sua veste, proclamou ele a unidade da Igreja.
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