terça-feira, 13 de outubro de 2009

O NOME DE DEUS


O NOME DE DEUS
01. No antigo Oriente Médio, o nome não é uma simples etiqueta estranha à realidade, mero
fruto de uma convenção de um grupo ou um povo, mas é considerado como misteriosamente
relacionado com a realidade a que se refere. Por isso, dar nome a algo (pessoa, lugar etc.) é
determinar o seu sentido ou destino (cf. Is 9,5; 2Sm 7,9; 8,13; 1Rs 1,47). Quando Deus muda o
nome de Abrão e Jacó (Gn 17,5; 32,39; 35,10) é para eles numa nova vida que começa.
02. Para falar de Deus, a Bíblia hebraica utiliza diversos vocábulos[i]. Isto mostra que Deus
sempre é considerado como uma pessoa, e não uma força ou energia informe. Deus revela o
seu nome porque deseja, antes de tudo, se tornar acessível a nós, colocando-se em relação
conosco, e a partir daí, respeitando o seu interlocutor, manifestar paulatinamente quem Ele é
em sua vida íntima, sua essência[ii].
a) El designa, de modo geral, a divindade entre os povos semitas, com exceção dos etíopes.
Seu significado originário é incerto (“ser forte”, “estar à frente” ou “em direção de”). El recorre
cerca de 240 vezes no AT, em quase todos os extratos (dos mais antigos aos mais recentes).
Aparece em formas compostas distintas: nomes de pessoas e localidades (Ismael, Betel etc.),
e também nos apelativos divinos relacionados a experiências sobretudo patriarcais: ‘El-‘Elyôn
(Deus Altíssimo: Gn 14,19-22); ‘El-Shaddáj (Gn 17,1; sua tradução exata é incerta; “Deus
Todo-poderoso” é a mais comum, mas inexata; “seria preferível entender como ‘Deus da
Estepe’”[iii]); ‘El-‘Ôlam (Deus eterno: Gn 21,23); ‘El-Betel (Deus de Betel [= casa de Deus]: Gn
35,7); ‘El-roi (Deus que me vê: Gn 16,13); etc. Eloah é forma derivada de El. Ocorre 57 vezes
no AT (cf. Jó).
b) Elohím (com ou sem artigo), que se traduz em geral por “Deus” – forma paralela à de El que
aparece cerca de 2.600 vezes no AT, impondo-se a partir dos séculos IX-VIII a.C. Para alguns
seria um plural intensivo de El. Assumindo e amadurecendo no tempo a língua de Canaã,
Israel carrega este nome com toda a intensidade e originalidade de sua experiência religiosa;
Elohim é Deus com toda a sua força.
c) Iahweh (Javé), nome próprio do Deus de Israel (Deus de Abraão, Isaac e Jacó), que pode
ser traduzido por “o Senhor” ou “o Eterno”. É usado 6.830 vezes no Antigo Testamento (seção
hebraica). IHWH é o único Elohim (Deus) para todos os povos (cf. Sl 58,12: “Existe um Deus
que faz justiça sobre a terra”; 1Rs 8,60), afirmação que é explícita em Dt 4,35.39, mas que se
imporá somente no século VI a.C. (cf. Is 43,10s; 44,6; 45,5; etc.)[iv]. A expressão “Yahweh
Seba’oth” é freqüente na Bíblia, especialmente entre os profetas. Significa “o Senhor dos
exércitos”. Seba’oth compreende todos os seres que no céu e na terra estão a serviço de
Deus, o que a versão grega (LXX) traduziu por Pantokrátor (“Todo-poderoso”: Jz 5,20; Sl
18,8-16; Js 10,10-15; Jó 38,7).
O redator final do Pentateuco (Gn, Ex, Lv, Nm, Dt) nos apresenta uma evolução nesta
revelação do nome divino: primeiro Deus é conhecido como Elohim (Gn 9,6), depois ele se
revela aos patriarcas como El Shaddai (Gn 17,1; 28,3; etc.) e por fim a Moisés sob o seu nome
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O nome de Deus
de Javé (Êx 6,2s).
03. O tetragrama YHWH (cf. Fílon de Alexandria, filósofo judeu-helenista, +50 d.C., De vita
Moysis, 1.2, § 115.132) é, na Bíblia hebraica, o nome próprio do Deus de Israel, confirmado a
Moisés na sarça ardente (Êx 3,13-15) – mas já conhecido antes, segundo a tradição de Gn
4,26 (Enós, filho de Set, teria sido “o primeiro a invocar o nome de Iahweh”). Moisés desejava
saber o que dizer se interrogado sobre o nome divino (“Qual é o seu nome?” – v. 13); recebe 3
respostas:
a) a mais antiga – e a única que de fato responde à pergunta – é a do v. 15: “Iahweh, o Deus
de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó me enviou até vós. Este
é o meu nome para sempre”;
b) essa resposta é comentada no v. 14b: “EU SEREI (‘èhyèh) me enviou até vós” – a frase
sugere uma etimologia do nome de Javé, aproximada de uma forma do verbo hayah, “ser”;
c) a fórmula célebre do v. 14a (‘èhyèh ‘ashèr ‘èhyèh, “Eu serei quem serei” ou “Serei, sim,
serei”; ou “Eu sou aquele que é contigo”, “Ele está [quer estar] aqui”), enfim, desenvolve a idéia
do v. 14b. O autor não pôde visar uma definição de Deus em sentido abstrato (“Ser”), pois isto
não acontecia em Israel; o verbo hayah é dinâmico, no sentido de “ser ativo”, “ser para”, “ser
com”. Assim, em Êx 3,14 ecoa o compromisso de uma presença fiel e ativa de Javé para com
seu povo[v].
04. O nome do Deus de Israel conhece duas formas: a forma longa (YHWH) e as formas
curtas, possivelmente variantes ortográficas: YH (Ex 15,2; Is 38,11; Sl 94,7.12) e YHW (em
aclamações litúrgicas como “Hallelu Yah” = “louvai Yah”: Sl 104,35; 106,1). A forma longa
(YHWH) se encontra nos textos mais antigos da Bíblia, como também na estela de Mesha
(Moab, séc. IX), nas inscrições de Kuntillet-Ajrud (norte do Sinai, séc. IX-VIII), numa tumba de
Khirbet El-Qom (séc. VIII) e nas cartas de Lakish (séc. VII). Talvez o nome remonte a uma
época em que os seminômades pré-israelitas ainda não se tinham separado de outras
populações semelhantes[vi] - todavia aos poucos o povo descobre que não há outro Deus além
de YHWH.
05. O texto hebraico antigo não era vocalizado (com vogais), por isso a tradição se baseou nas
transcrições gregas (iabè, iaouè) de Epifânio de Salamina (+403 d.C.) e de Teodoreto de Ciro
(+ 458 d.C.; cf. PG 80:244) para reconstruir a pronúncia do Nome (Yahweh, “Javé”). Outras
transcrições mais antigas (de S. Clemente de Alexandria, + 215 d.C., e Orígenes, + 253 d.C.)
sugerem a leitura “Yahwô” ou “Yahûh”.
06. Na tradução grega do Antigo Testamento (a versão dos LXX), Elohim é traduzido por hó
theós (Deus), enquanto que YHWH é vertido por kýrios (o Senhor) ou por kýrios hó theós (o
Senhor Deus). Essa tradução é significativa da atitude do judaísmo, que, sobretudo a partir do
séc. III (ou IV) a.C. – ou seja, após o exílio na Babilônia (587-538 a.C.) –, se recusa a
pronunciar o nome “três vezes santo”, para não lhe faltar ao respeito; era tido como “o nome
que se escreve, mas não se lê”.
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O nome de Deus
Segundo o Talmud, o nome santo só era proferido pelo Sumo Sacerdote quando, uma vez ao
ano, entrava no Santo dos Santos no Dia da Expiação (Yom Kipur – cf. Lv 23,27s), ou pelos
demais sacerdotes que abençoassem o povo segundo Nm 6,23-27; mesmo nestes casos o
nome sagrado era pronunciado em voz muito baixa. Preferir-se-á ler ‘adonáy (lia-se “edonái”),
“o Senhor”, no lugar de YHWH – não tanto no texto escrito (ketîv), mas na pronúncia (qerê), ou
seja, quando se lia.
As consoantes YHWH exigiam as vogais a e e – provocando a leitura YAHWEH (Javé). Os
judeus costumavam pronunciar adonáy, de modo que os rabinos medievais realizaram a fusão
das consoantes de YHWH com as vogais de eDONAY (o Y é semiconsoante, e por isso não
entrou na composição final; a 1ª letra, representada por ‘ , é um álef, que não se lê), donde
resoltou JEHOVAH. A pronúncia é atestada por Raimundo Martini, autor da obra Pugio Fidei no
ano de 1270; parece, porém, que estava em uso nas escolas rabínicas anteriores (talvez já no
séc. VI d.C.). Por influência do calvinista Teodoro Beza de Genebra, os protestantes vão
adotá-la a partir do século XVI. Está bem longe de ser o nome pronunciado por Moisés![vii]
07. Conhecer e pronunciar o nome de Deus terá implicações importantes: 1Rs 8,60: “Assim,
todos os povos da terra reconhecerão que somente Iahweh é Deus e que não há outro além
dele”. A invocação do nome de Deus se encontra no âmago de toda oração e de todo ato de
culto, pois ela significa a relação de pertença ao Senhor e a súplica do seu favor (cf. Nm
6,22-27).
08. O Novo Testamento não utiliza o nome “Javé”. Mas Jesus veio para revelar o seu “nome” à
humanidade (cf. Jo 17,6.26). O NT fala de Deus geralmente com o auxílio da locução hó Theós
(Deus), que corresponde ao hebraico Elohim. Quanto a Kýrios (Senhor), designa ora Deus mas
também Jesus (cf. At 2,36). Foi Ele quem nos revelou o mistério de Deus como Pai (Abbà – Mc
14,36; Gl 4,6; Rm 8,15) e Espírito (Parákletos – Jo 14,16s), revelando-se igualmente como
Filho (ou Lógos, Verbo – Mt 11,27; Lc 22,70s; Jo 1), e por isso, em sua natureza humana,
recebe “o Nome que está acima de todo nome” (Flp 2,9s; cf. Mt 28,19; At 2,38)[viii]. No Antigo
Testamento se fala de Deus como “pai” (cf. Sl 103,13; Dt 8,5; Os 11; Is 63,15-64,11; Eclo
23,1-6; etc.), mas sem o destaque recebido no Novo Testamento (254 vezes). Em Jesus o
“nome de Deus” se completa: “Eu sou aquele que sou, agora, a partir de Jesus, significa: Eu
sou aquele que vos salva”[ix].
Concluindo: “Entre todas as palavras da revelação há uma, singular, que é a revelação do
nome de Deus. Deus confia seu nome àqueles que crêem nele; revela-se-lhes em seu mistério
pessoal. O dom do nome pertence à ordem da confiança e da intimidade. ‘O nome do Senhor é
santo.’ Eis por que o homem não pode abusar dele. Deve guardá-lo na memória num silêncio
de adoração amorosa” (Catecismo, 2143).
Pe. Jonas Eduardo, MIC – Curitiba, 19.02.2008 – jonaseduardo2002@yahoo.com
[i] Para conferir e aprofundar: Bettencourt, Estêvão, Curso sobre Deus Uno e Trino. Escola
“Mater Ecclesiae”, Lumen Christi, Rio de Janeiro, s/d, pp. 5ss; Catecismo da Igreja Católica,
15.08.1997, nn. 203-221; Imschoot, P. Van, “Deus”, in Van Den Born, A. (red.), Dicionário
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O nome de Deus
Enciclopédico da Bíblia, Vozes, Petrópolis, 1987, col. 379; id., “Jeová”, col. 759; Kasper,
Walter, The God of Jesus Christ, Crossroad, New York, 1992, pp. 138-140.241-243; Marangon,
A., “Il nome e i nomi del Dio della Bibbia”, in Nuovo Dizionario di Teologia Biblica, a cura di
Rossano-Ravasi-Girlanda, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI), 1988, pp. 399-402; Patfoort, A.,
O mistério do Deus vivo, Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1983, pp. 35ss.; Vermeylen, Jacques,
“Nome”, in Lacoste, Jean-Yves, Dicionário crítico de teologia, Paulinas-Loyola, S. Paulo, 2004,
pp. 1261-1263; Zenger, Erich, O Deus da Bíblia, Ed. Paulinas, S. Paulo, 1989, pp. 99ss.
[ii] Cf. Ratzinger, Joseph, Introduzione al Cristianesimo, Queriniana, Brescia, 200312, pp. 94s.
[iii] A Bíblia de Jerusalém, S. Paulo, Paulus, 1995, nota a Gn 17,1, pág. 52.
[iv] Trata-se do “monoteísmo teorético”, presente de modo explícito e inequívoco a partir do II
Isaías (cf. Pastor, Félix Alejandro, La Lógica de lo Inefable, Ed. PUG, Roma, 1986, pp. 78.137).
[v] “O nome de Ihwh indica assim a orientação futura do agir de Deus que estará com o seu
povo” (Ladaria, Luis F., Il Dio vivo e vero. Il mistero della Trinità, Piemme, Casale Monferrato
(AL), 20022, p. 140). Naturalmente, com o passar do tempo Deus se revelará como a
existência em plenitude, o que lhe permite agir de um modo poderoso, como se pode
depreender já dos Sl 93,1-2; 90,1-2 (cf. Gomes, Cirilo Folch, Riquezas da mensagem cristã,
Lumen Christi, Rio de Janeiro, 19892, p. 108).
[vi] Isso explicaria, segundo alguns estudiosos, porque vários povos do Oriente antigo
conheciam uma divindade que tinha um nome bastante próximo: Ya(w) – Ebla, Yao – Biblos,
YW – Ugarit e Yau – Hamat. Parece que na raiz mais antiga se encontra hwh/hwy, que dará
em hebraico hayah, “ser”.
[vii] A própria seita “Testemunhas de Jeová” o reconhece em seu livro “Equipado para toda
obra” (pág. 25 da ed. alemã)!
[viii] Cf. Balthasar, Hans Urs Von, Verità di Dio. TeoLogica, vol. 2, Jaca Book, Milano, 20022,
pp. 109-111.
[ix] Ratzinger, Joseph, Il Dio di Gesù Cristo, Queriniana, Brescia, 20052, p. 20. 1Tm 1,1; 2,3;
4,10 falam de “Deus nosso Salvador”.
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